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Gente que morre

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Cada um é cada um nessa vida. Mas, todos morrem. O lugar comum que afirma ser a morte a única certeza que temos não é repetido à toa. Um dia a morte chega, devagar ou repentina, para cada um ela reserva final surpresa. O homem que faz a barba diante do espelho, no dia em que vai morrer, não suspeita que está a executar seus últimos atos. A morte é assim.

Seu Pimenta morreu bem velho e nunca me esqueci dele. Enlouquecera, mas de loucura mansa. Nos últimos tempos da estadia do velho entre nós vez ou outra ele nos surpreendia com algo inusitado. Como aquela madrugada em que fomos acordados pelos gritos de pavor da mulher do seu Pimenta. Vizinhos deles, meus pais correram à casa dos Pimenta para socorrê-los. Encontraram a velha no meio do quarto, ainda gritando: o marido colocara vários sapos na cama, sob o lençol com que ela se cobria. Coisa de louco.

Tantas mortes. Incontáveis mortes. Tantas e tão incontáveis que nos trazem a agonia diante dos anos que passam e a morte que nos ronda na velhice. Como será a minha? Haverá sofrimento? Doença grave? Mal súbito?

Há quem aguarde a morte com serenidade. Sabem que o tempo vivido não tem volta e olham para o passado com ternura. Outros temem a proximidade do fim. Há quem receie o apagamento da memória, o Alzheimer. O horror de um fim com a perda de conhecimento assusta muita gente. Tornar-se uma espécie de “coisa”, com dependência total de outrem.

Na velhice incomodam o cansaço e a tendência à depressão. Sem mais nem menos vai-se entrando numa atmosfera cinzenta que periga tornar-se irreversível. Há que se fugir desse hiato de desespero. Especialistas recomendam atividades, exercícios físicos e até medicamentos.

Ocasionalmente, encontro conhecido no momento em luta contra o câncer. Pessoa forte até há pouco, nota-se seu declínio. Ele parece não se dar por achado. Fala-me, esperançoso, sobre os resultados da quimioterapia e radioterapia. Tem fome de viver. Mas, infelizmente, seus esforços parecem não estar surtindo grande efeito. Ontem, falou-me sobre novos projetos a serem executados assim que melhorar. Fabulosa a tenacidade desse homem que se recusa a entregar.

Minha avó dizia que a morte só surpreende mesmo aos despreparados para recebê-la. Não sei dizer. Trata-se de encontro pessoal, intransferível, data marcada para o episódio que põe termo à vida.

Escrito por Ayrton Marcondes

26 setembro, 2018 às 12:33 pm

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