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Quando matar…

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Quando matar se torna comum, o inaceitável se banaliza. Leio que um borracheiro, tomado de ciúmes, matou a mulher e um amigo. O crime aconteceu na sala de estar da residência do borracheiro que fez uso de uma faca para matar os dois. No caso, a suspeita de traição bastou para que os assassinatos fossem perpetrados.

Também leio que um empresário saiu de sua casa e, numa travessa próxima à Av. Pacaembu, São Paulo, foi abordado por um ladrão que queria levar o relógio dele. Mesmo dentro do carro o empresário tentou reagir e recebeu um tiro no peito. A bala atravessou o tórax e saiu pelas costas.

Li isso e muito mais. Basta dar uma olhada nas seções policiais dos jornais para ficar inteirado de inúmeras barbaridades. Um policial mata a mulher que se separou dele, ela também policial; um homem faz reféns a sogra e a filha - é incrível o número de crimes cometidos em nome do amor; bandidos assaltam uma joalheria dentro de um shopping; bandidos roubam o caixa automático de um grande supermercado; e assim vai.

Mostramos indignação diante de alguns crimes, mas permanecemos distantes da maioria. Semana passada um pedreiro violentou a filha de 5 anos de idade; acusado pela própria mulher defendeu-se dizendo: mas, foi só uma vez…

A violência é um dos atributos dos seres humanos, traço da condição animal do ser; de rotina reprime-se a tendência à pratica de atos violentos, quaisquer que sejam as suas proporções; situações adversas que oferecem perigo podem despertar reações violentas mesmo no mais contido dos homens; entretanto, nada justifica ou explica a bestialidade.

Assiste-se hoje a escalada não só da violência propriamente dita, mas da bestialidade. Presencia-se a algo absurdo e sem sentido.  Não se trata apenas de desprezo aos valores e normas sociais: o crime segue a trilha da despersonalização, dos embates primitivos, das mortes desnecessárias porque a vida transformou-se em moeda de troca sem valor.

Os discursos sobre a necessidade de conter a violência são benvindos e devem ser acompanhados de ações efetivas. Entretanto, há que se considerarem variantes mais profundas que levam pessoas à prática de atos bestiais, hoje tão frequentes. Existe algo de profundamente errado nos fatos que diariamente presenciamos, desafio à lógica que normalmente é utilizada para a compreensão dos fenômenos sociais.

Os filhos do Brasil

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A crítica especializada que diariamente se ocupa do que acontece no Brasil parece habitar um oásis de civilização. Acomodados nos grandes centros e protegidos pelas benesses culturais próprias de seu meio, os homens que se interessam pelos fenômenos sociais brasileiros ignoram, talvez propositadamente, a visão de conjunto, a grande diversidade de homens e coisas abrigadas pela vasta extensão territorial do país. Isso é o que se depreende da leitura diária dos jornais e do noticiário que se chega até nós através de outros meios de comunicação.

Note-se que não se está a dizer que falta aos emissores de opiniões conhecimento sobre a realidade do país. Ocorre que os seus olhos voltam-se mais para a modernidade decorrente de avanços verificados em todas as áreas do conhecimento. Olhar para cima e não para baixo, olhar para fora e não para dentro, medir-se com os mais avançados, igualar-se, superar as crônicas visões de inferioridade do país em relação aos mais desenvolvidos. É desse modo que uma classe alta de investigadores do cotidiano comunica-se com uma classe alta de consumidores de notícias e comentários sobre o país. Acontece que Brasil simplesmente não é aquele que retratam: o país figura nas análises que lemos e ouvimos como, no máximo, parte do que realmente é.

O outro Brasil todo mundo conhece, sabe-se sobre a sua existência. Entretanto, esse outro país parece ser observado a sob lente de um microscópio. Trata-se de uma investigação em moldes laboratoriais, através da qual se separa uma pequena parcela do todo, trazendo-a para um ambiente seguro no qual se procede a uma análise fria em busca de resultados práticos que expliquem e dêem sentido aos acontecimentos.

Eis que aí algo aparece para quebrar a rotina, invertendo as regras do jogo. Fenômenos de popularidade emergem da massa informe e sem nome, galgando altas posições.  Nessas novas condições espera-se dos emergentes posicionamentos e comportamentos que correspondam aos padrões a que os analistas estão habituados. Mas, os novos homens que chegam ao poder não podem agir segundo o figurino cultural estabelecido. É simples explicar por que: falta-lhes a formação esperada para tanto, outra foi a escola prática que frequentaram, outros os obstáculos que superaram e até, em alguns casos, suas atitudes passam a ser inconscientemente moldadas pela necessidade de compensação da anterior inferioridade.

O ciclo se fecha com as desabridas críticas a modos de ser considerados intoleráveis. Ofendem-se os críticos por serem taxados como elite. Um abismo se instala entre a inteligência de formação universitária e a inteligência natural lapidada fora das escolas.

O Brasil é um país imenso, muitas vezes maior que os redutos dos grandes centros nos quais vivem os homens que ditam normas e comportamentos. É preciso lembrar que o Brasil é muito, muito mesmo, mais periferia do que centro. Fora dos centros vivem milhões de pessoas cujas vidas se passam em ambientes de grande simplicidade, senão pobreza. Essas pessoas estão nas ruas, amontoam-se aos milhares em feiras livres de pobreza inacreditável e vivem à margem das vantagens do capitalismo. Vez por outra algumas dessas pessoas ganham destaque, dado que inteligência é o que não falta aos brasileiros.

Hoje em dia as populações despossuídas e as classes menos abastadas mostram-se mais esperançosas. Não importa que na prática pouco ou quase nada de melhora aconteça nas suas vidas. Uma vasta e inteligente propaganda faz uso de uma linguagem inteligível a essas pessoas, tendo implícita a promessa de dias melhores. E não há porque não acreditar nos emissores das novas mensagens porque alguns deles surgiram do coração da massa desvalida. Uma dessas pessoas, em particular, tornou-se prova viva de que todas as barreiras podem ser superadas. Por isso, converteu-se num grande fenômeno de popularidade.

É com esses fatos que a crítica especializada deve e precisa dialogar, se possível despida de preconceitos.