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Um par de sapatos

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Em meio a uma exposição de objetos antigos de uma grande cidade norte-americana um par de sapatos. Pretos, denotando prolongado uso, os sapatos foram catalogados como da década de 20 do século passado. Nada se sabe sobre o seu proprietário e dado o desgaste já não é possível conhecer-se sobre o fabricante. É um modelo de couro, reforçado, aparentemente pesado, diferente dos calçados que agora se usam. Com certeza pertenceu a um homem que tinha pés pequenos. De forma alguma esse tipo de sapatos poderia ter pertencido a alguma mulher.

Aqueles sapatos impressionam justamente pela imobilidade de algo produzido para mover-se. Estão ali parados, testemunhando uma época, aparentemente cansados. Pisaram ruas de outro tempo, galgaram escadas de templos, circularam próximos a matas, talvez tenham protegido os pés de um assassino levado ao tribunal. Vagaram céleres no espaço dos anos loucos e estiveram nas ruas ao tempo do crash de 1929. Teriam estado nos pés do homem que se atirou de um prédio quando tudo se revelou perdido para ele?

Por onde andaram esses sapatos? Que ruas percorreram?  Acaso pertenceram a um moço que gostava de dançar? Ou àquele guarda-livros baixinho que a cada dia repetia o trajeto entre a casa e a firma e certa ocasião descobriu-se traído pela mulher? Ou talvez tivessem estado nos pés de um senador importante, de um motorista, do jornaleiro da esquina, do ajudante do bar, do porteiro da casa noturna, de um guarda de trânsito, de um policial que prendeu bandidos ao tempo da Lei Seca?

Ao ver esses sapatos é impossível não pensar sobre a força com que resistiram à passagem do tempo. Toda a gente da época deles está morta. O homem que certo dia os adquiriu numa loja de calçados, o que se serviu deles para percorrer seus caminhos, também esse proprietário desconhecido está morto. Desse homem restaram esses sapatos escuros, desgastados, exibidos numa bancada de uma exposição de objetos do passado. São eles o que restou das posses desse homem, derradeiro testemunho de sua existência.

Mas, nem todo mundo que se defronta com o par de sapatos negros pensa assim. Existe sempre aquela senhora para quem só existe o presente e a quem o passado e o futuro simplesmente não interessam. Ela foi a contragosto acompanhar o marido à exposição e, ao ver o velho par de sapatos, só soube perguntar:

- Mas, o que fazem aí esses sapatos velhos e sem nenhuma utilidade?