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Filme: Além da Vida

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Eu tinha muita curiosidade a respeito do filme “Além da Vida”, dirigido pelo cineasta Clint Eastwood. Como se portaria um grande diretor de cinema ao abordar um tema tão rico em clichês e representações? Qual seria a visão apresentada sobre contatos com o além e, mais que isso, com a própria morte? Seguiria Eastwood a linha comum retratada em tantas obras anteriores, inclusive na recente produção nacional intitulada “Nosso Lar”?

Desde já é preciso deixar claro que “Além da Vida” não pode ser incluído entre os melhores trabalhos de Eastwood. De fato, ao espectador atento não escapam alguns ajustes forçados que visam dar sentido e continuidade à narrativa. Durante todo o tempo o espectador é colocado em posição de estar diante de algo maior, inexplicável, que foge à lógica cotidiana. A cena inicial na qual jornalista Marie Lelay (Cécile de France) afoga-se durante um tsunami e recupera-se após ser dada como morta é emblemática: Eastwood informa ao espectador qual será a regra do jogo daí por diante, cabendo a ele a decisão de seguir em frente ou não. O que se está a dizer é: daqui por diante lidaremos com experiências de quase morte, território visitado por alguns seres humanos cujas narrativas a respeito do assunto apresentam pontos coincidentes. Ou o espectador aceita que, pelo menos em tese, isso é possível ou o melhor é não prosseguir.

O grande problema – na verdade aspecto positivo do filme – é que Eastwood porta-se durante todo o tempo como cético. Sabendo que não cabe a ele dizer nem sim, nem não, não se compromete. A parte que cabe a ele é narrar um tipo de história que corre solta por aí e sobre a qual existem opiniões díspares dada a impossibilidade de confirmação dos fatos. Seguindo essa linha o diretor, em nenhum momento, deixa-se levar por interpretações religiosas de qualquer espécie. O assunto é a morte e o contato com mortos que algumas pessoas dizem ter daí estar a religião completamente fora disso.

É segundo as perspectivas apontadas anteriormente que a trama se desenvolve. Trata-se de três histórias que acontecem paralelamente que, desde logo, sugerem um ponto de encontro no final. A primeira é a de Marie Lelay que se afoga no tsunami; a segunda é a de um operário de usina de açúcar, George Lonegan (Matt Damon) que se recusa a prosseguir com suas atividades mediúnicas embora a insistência de seu irmão; a terceira é a do menino Marcus (o estreante Frankie McLaren) que acaba de perder seu irmão gêmeo e sofre com a separação forçada de sua mãe, internada para livrar-se de vício de drogas.

O que liga essas pessoas é a morte. Mary Lelay nunca mais será a mesma após sua terrível experiência no tsunami e Marcus busca contato com o irmão falecido. George, o médium, recusa-se a novos contatos com mortos porque entende que aquilo que possui e considera-se um dom não passa de uma maldição que o afasta das pessoas e torna impossível uma vida normal. No final como esperado, essas três trajetórias se encontram e pode-se dizer que há um final feliz, embora um tanto forçado.

Como afirmei, “Além da Vida” não está entre os melhores trabalhos de Eastwood. Entretanto, embora não possa ser classificado como um grande filme, não deixa de ser muito interessante. Não é um filme de suspense, mas sim de mistério que envolve uma interrogação que, queiramos ou não, está presente em nossa condição de seres destinados a morrer. Eastwood, octogenário, disse que não fez o filme por sua idade avançada e preocupação pessoal com o que possa existir depois da morte. Simplesmente achou a história interessante e a filmou.

Louve-se a cena do tsunami que abre o filme. Terrível, torturante, magicamente realizada com riqueza de detalhes sobre o avanço devastador das águas. Tão real e impressionante que o filme foi retirado dos cinemas no Japão, país que nesses dias enfrenta tragédia real e semelhante.