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Deus e os homens

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Ouvi de Arnaldo Jabor no “Roda Viva” que, para ele não existe essa coisa de Deus lá e homem aqui. Para Jabor o universo é constituído por uma mesma massa, Deus faria parte dele ou seria o próprio universo. Se bem entendi foi isso que Jabor disse.

A pergunta feita a Jabor - você acredita em Deus? – não comporta um simples sim ou não. A coisa funciona do seguinte modo: se “sim”, por que “sim”? se “não”, por que não”? Entre o “sim” o “não” estabelece-se uma enormidade de razões, tão grandes quanto a duração do tempo.

Nunca me esqueço da pergunta feita pelo jornalista Boris Casoy ao então candidato a prefeito de São Paulo, Fernando Henrique Cardoso: o senhor acredita em Deus? Essa pergunta feita ao vivo e a cores num canal de televisão causou grande embaraço a FHC. Todo mundo sabia que a resposta do candidato seria “não”, mas isso representaria prejuízo eleitoral. Até hoje há quem condene Casoy por fazer pergunta cuja resposta sabia de antemão. No fim, por essas e outras, FHC perdeu a eleição e Jânio Quadros tornou-se prefeito com direito a borrifar detergente para “limpar” a cadeira de prefeito na qual o opositor inadvertidamente havia se sentado.

Tempos atrás assustei-me ao ouvir de uma religiosa já em idade provecta que aproximava-se para ela o momento da morte, portanto de conhecer a verdade sobre a existência do outro mundo. Conclui que de uma pessoa que passara a vida servindo a uma ordem religiosa o mínimo que se poderia esperar era um voto de fé. Para essa mulher a dúvida não deveria existir, não é?

Pois se acontece até com quem fez voto de celibato e assistiu diariamente às missas ao longo da vida, se acontece a quem todo dia reza o terço e se curva diante da imagem do crucificado, que dizer dos mortais comuns que erram nas trilhas desse mundo?

O fato é que chega a ocasião em que nos damos conta de que, queiramos ou não, a morte torna-se palpável. Se você tem mais de 60 anos de idade torna-se óbvio que o tempo disponível à frente não é longo, por mais que insistamos em permanecer por aqui. Nessa circunstância até mesmo aos mais céticos ocorre perguntarem-se sobre como será morrer, a existência de Deus, a vida após a morte e outras indagações do gênero.

Como e quando morrerei? Ao fechar os olhos a minha alma abandonará o corpo e passará a fazer parte de uma esfera espiritual? Haverá de fato uma justiça divina e até a avaliação de meus merecimentos para passar um tempo no purgatório ou ser encaminhado diretamente ao céu ou ao inferno?

Obviamente não existem respostas para essas perguntas. Ninguém que se saiba voltou da morte e os relatos de contatos com os mortos carecem de maior transparência. Na verdade os tempos atuais favorecem mais a descrença que a crença. De modo que se você tem aí na sua cabeça esse problema resolvido, seja lá com for, parabéns. Quanto a mim não há como negar que permaneço em estado crônico de dúvidas não resolvidas.

Tempo que não volta

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Se há algo que se torna muito claro quando se chega à década dos sessenta anos de idade é a irreversibilidade do tempo. Não que antes não a percebamos: simplesmente a ignoramos, talvez por essa noção de eternidade da vida que levamos conosco. Todo mundo sabe que a vida é finita, que mais dia, menos dia, deixaremos de ser. Aos que tem fé existe a certeza de que o estágio neste mundo não passa de preparação para outra dimensão na qual o espírito que abandonou a carne sobreviverá. As religiões se apoiam na ideia transcendental de continuidade da vida no âmbito espiritual, sendo que algumas delas admitem o retorno a este mundo, enfim a reencarnação. Infelizmente, todas formas de contato com dimensões post-mortem não são conclusivas, restando dúvidas sobre a realidade de contatos com pessoas que já morreram.

Mas, eis que me desencaminho. O tempo corre e em geral fingimos que ele não passa para nós. Mas, de repente a mocidade fica para trás e nos deparamos com a realidade de que avançamos em direção à fronteira na qual ninguém sobrevive. O caminho em direção à lápide é tortuoso e não se sabe quando termina. Mas, enquanto seguimos por essa via - na medida em que avançamos – velhas questões que na faina diária deixamos de lado ressurgem. Trata-se de perguntas para as quais obviamente não existem respostas definitivas, mas que nos incomodam. Questões sobre o sentido da vida, o bem e do mal, a existência da alma e mesmo a de Deus tornam-se imperiosas. Afinal, o que há do lado de lá, depois dessa enorme sombra para a qual seremos projetados no momento em que deixarmos o mundo que conhecemos? Essas e muitas outras questões com as quais não perdemos tempo no dia-a-dia de repente começam a incomodar, senão pressionar porque envolvem significados que não alcançamos. Trata-se da vontade de saber a qual só a morte pode conter.

Você se entende envelhecendo quando repara que as pessoas que fazem parte da sua geração desparecem, lenta e progressivamente. Pessoas de nosso convívio, personalidades públicas, ícones de nossa época morrem e a morte deles figura como aviso de que também a nós está reservado o mesmo fim. É esse despovoamento de nossos pares que abala a noção de eternidade da vida à qual nos agarramos tão vigorosamente.

Escrevo sobre isso porque ontem morreu o ator Walmor Chagas. Tinha ele 82 anos de idade e foi encontrado morto com um revólver sobre o colo. Não há como ficar indiferente à morte de Walmor, ator a cujas encenações nos habituamos ao longo de décadas. Eu o vi, ainda moço, no palco, participando de uma peça. Há pouco tempo revi o filme “São Paulo S/A” no qual Walmor tem atuação magnífica, trazendo-nos de volta aquela cidade de São Paulo em ritmo de industrialização.  Não há como não ligar a morte de Walmor à percepção de um mundo que se vai, de fim de uma época, da voracidade com que o tempo devora as nossas vidas.

Ninguém sabe quanto tempo viverá. Entretanto, nunca é demais lembrar aquelas que foram as últimas palavras de Machado de Assis em seu leito de morte:

- A vida é boa!

Talvez por isso o deixar de ser nos impressione tanto.