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Preocupação de mãe

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Uma mãe, cujo filho está cursando a 3ª série do Ensino Médio, não quer que ele frequente faculdade no ano vindouro. Alega ser o filho jovem demais para escolher profissão. Fala sobre si mesma, da precocidade das escolhas que ela fez, dos compromissos assumidos muito cedo, da vida enfim.

É uma mulher bonita que traz no rosto marcas inconfundíveis de sofrimento. Reclama que tornou-se adulta precocemente e não quer que isso aconteça ao filho. Quer saber a minha opinião, o que acho disso tudo, da vida como ela é.

Repondo que cada um é proprietário de experiência pessoal intransferível. Em geral tentamos evitar que os nossos filhos quebrem a cara onde nós mesmos a partimos em vários pedaços. Entretanto, é impossível gerar um caminho seguro para  aqueles a  quem amamos tanto. Existe, ainda, o fato de que o mundo é sempre outro, renovando-se a cada instante, daí tantas situações novas propostas para as quais experiências anteriores talvez não sirvam.

É uma conversa longa. O que a mãe procura é apoio ao seu modo de pensar,  jeito de talvez driblar a realidade como se fosse possível planejar trajetórias menos traumáticas. Respondo às colocações dela do meu jeito, lutando para não me comprometer muito, afinal não é todo dia que se é intimado a participar de decisões sobre destinos de outras pessoas.

A certa altura a mãe me pergunta se eu teria filhos caso soubesse como é o mundo de hoje. Para que colocar gente nesse mundo louco no qual a vida em sociedade descamba cada vez mais, a violência torna-se incontrolável etc.? Não sei o que dizer a ela, começo por lembrá-la que eu precisaria, talvez, ter cerca de 30 anos agora para pensar com a cabeça dessa idade e tomar uma decisão sobre ter ou não filhos. Em todo caso, acrescento, isso não nos leva a nada, não resolve o problema porque o que está feito está feito e é irreversível.

A mãe vai embora e deixa diante de mim um mundo de interrogações. O que a aflige é a vida como ela é, a certeza de que o filho fará suas escolhas muito cedo e nada poderá evitar que isso aconteça. Ele chegará à universidade com 18 anos, provavelmente aos 25 estará trabalhando em sua profissão e, quem sabe noivo ou casado. Depois dos 30 pode ser que experimente uma crise, aquela em que se descobre que tudo poderia ter sido diferente, mas provavelmente será tarde demais para mudar tudo. Então o homem que ele será encarará a vida como todos nós fomos obrigados a encarar um dia, sem o desvelo da mãe, lidando diretamente com a realidade. E seguirá ele por esse caminho que todos nós andamos, estrada que parece infinita, mas tem prazo, aquele prazo em que a máquina humana começa a dar sinais de cansaço, a falhar, até parar definitivamente.

Eu ia dizer para a mulher que me procurou, afirmar que a vida é uma criação ao mesmo tempo maravilhosa e terrível, alicerçada em contradições, daí que ela não se preocupasse porque, de todo modo, as coisas aconteceriam ao filho dela conforme teriam que acontecer. Mas, eu não disse nada, talvez por covardia, pelo receio de desfazer um sonho e o delírio de que com o filho dela tudo seria muito diferente e fantástico, uma vida estelar, dessas que poucas vezes acontece a alguém. Talvez com o filho dela, por que não?