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Fábula de vaga-lume

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Era uma vez um vaga-lume que não tinha luz. O problema foi percebido pelos seus pais que depressa levaram o pequeno vaga-lume aos doutores da luz. O caso foi analisado por juntas de cientistas que indicaram e realizaram vários tratamentos. Nada, porém se conseguiu.

Ao tempo do filho ir à escola os pais do vaga-lume que não tinha luz temeram pela sua sorte: como o veriam os seus colegas, todos emissores de luz? Infelizmente os vaga-lumes veteranos da escola receberam muito mal o novo colega. Foi ele submetido a trotes nos quais sempre se destacava a falta de luz. Nos corredores falava-se sobre um defeito genético, falha do DNA, que impedia a produção de luciferina, substância sem a qual não há emissão de luz.

Mas, não ficou só nisso. A situação piorou muito quando os próprios professores, em reunião, ponderaram sobre o perigo de um vaga-lume com tão grande problema de saúde, vir a se reproduzir. Daí a se concluir que a toda a espécie estava ameaçada e se propor a esterilização imediata do vaga-lume sem luz foi um passo.

Desesperados com a situação e perguntando-se porque a sorte os punira de tal modo, os pais do vaga-lume sem luz outra saída não tiveram que organizar a fuga do filho. Certo dia, bem antes do alvorecer, a mãe deu ao filho tudo o que ele precisaria para viver à margem de seu grupo e ele partiu.

Assim, a população de vaga-lumes deu o problema por resolvido; a ameaça à espécie foi extirpada e todos viveram em paz, exceto os pais do pobre vaga-lume sem luz que, vez por outra, iam visitá-lo no seu lugar de exílio.

Entretanto, com o passar do tempo, a paz do mundo dos vaga-lumes foi seriamente ameaçada: mudaram-se para bem perto deles duas enormes rãs que tinham naqueles insetos o seu prato predileto. O desaparecimento de importantes membros da população, tragados pelas ferinas línguas das rãs, levaram os vaga-lumes ao desespero. Era preciso fazer alguma coisa. Reuniões realizaram-se entre os mais ilustrados vaga-lumes em busca de solução para a terrível ameaça. Escritores, políticos e cientistas debatiam sem achar solução enquanto as rãs dizimavam a população.

Após vários dias de discussão, finalmente os vaga-lumes encontraram uma saída: durante uma reunião, os cientistas deslumbraram os seus pares ao anunciar a mais recente conquista da tecnologia. Tratava-se de uma bomba que, lançada ao reduto onde viviam as rãs, provocaria a morte delas.

A alegria foi geral. Grandes comemorações ocorreram quando a notícia foi anunciada. O povo vibrou. Era o fim das rãs. Entretanto, restava um problema a resolver: quem lançaria a bomba sobre as rãs?

A dúvida era pertinente: a emissão de luz tornava os vaga-lumes alvo fácil para as rãs. Foi quando sugeriu-se que a ação fosse executada por um vaga-lume-bomba, que se sacrificaria por todos. Ocorre que a sociedade dos vaga-lumes há muito se tornara democrática. Os fanatismos de certas vertentes políticas radicais haviam se tornado coisas do passado, útil aos estudiosos de história. Por essas razões, não seria possível encontrar, em todo o mundo dos vaga-lumes, um só deles disposto a tão grande sacrifício em nome da espécie. Aliás, bem que se tentou: altas recompensas foram oferecidas a famílias mais pobres em troca do sacrifício de um dos seus membros. A propaganda daqueles dias estimulava pais desempregados a se sacrificarem pelos seus filhos.

Enfim, as tentativas se esgotavam enquanto as rãs, dia-a-dia, faziam mais vítimas. Foi quando os professores da escola se lembraram do vaga-lume sem luz e comunicaram a existência dele aos governantes.

A partir daí as coisas correram depressa. Policiais cercaram a casa dos pais do vaga-lume sem luz, intimando-os à localização imediata do filho. O assunto rapidamente chegou aos jornais e não se falava noutra coisa em todo o noticiário. Da noite para o dia o vaga-lume sem luz era convertido no único herói que salvaria todos os demais.

Ao receber a notícia de que fora escolhido o vaga-lume sem luz recuou. Lembravam-se dele agora que precisavam. A mesma sociedade que o excluíra rogava a ele que a salvasse. Era grande a sua mágoa pelo tempo em que vivia solitário como um ermitão, afastado do convívio dos demais e dos prazeres da vida.

Como sempre acontece nesses casos, foi o carinho da mãe que abrandou o coração do vaga-lume sem luz. Ele acabou cedendo e voltou ao grupo sendo recebido com festas só dedicadas aos grandes heróis. Nos primeiros momentos foi alvo de grande atenção, concedeu inúmeras entrevistas e, depois, recolheu-se ao quartel-general, para inteirar-se do plano de ataque.

Era uma manhã fria quando o vaga-lume sem luz partiu levando a bomba. A localização das rãs fora previamente determinada pelo hábil serviço de espiões infiltrados na região do pântano. Seguindo as rotas anteriormente determinadas, o vaga-lume enfim aproximou-se de seu alvo.

Foi um vôo certeiro. As rãs descansavam sem perceber a tragédia estava por acontecer. No momento certo o vaga-lume lançou a bomba e, obedecendo as instruções, voou para o alto de modo a fugir aos efeitos da explosão.

As rãs foram estraçalhadas e os espiões correram a dar a notícia ao governo que depressa espalhou a boa nova entre os vaga-lumes. Durante as festas que se seguiram pouca atenção foi dada ao salvador da espécie: é que ele era diferente, não tinha luz.

Verdade que não o hostilizaram. Ficou ele uns dias, ainda, com os, seus velhos país. Depois disso decidiu voltar para casa, ao ermitério onde vivia e onde se conta que viveu até morrer.