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Ninguém

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Acabo de receber um email de uma pessoa que se identifica (melhor dizer não se identifica?) como Ninguém.

Leio o texto curto, escrito talvez às pressas e imagino que o teclado do computador tenha escondido dedos capazes de uma letrinha magra, sofrida, coisa de retirante que, cansado (a) de tudo, entrou na internet e enviou um email esperando encontrar outro Ninguém.

O email caiu na minha caixa postal eletrônica. Sabe-se lá por quais mistérios terá errado seu caminho nessa coisa monstruosa que talvez nada mais seja que uma barafunda de linhas invisíveis, correndo em todas as direções, carregando informações até chegarem ao seu destino final que é um programinha de recepção de emails.

Não vou dizer a ninguém o que me escreveu essa pessoa chamada Ninguém, em primeiro lugar porque esse é o seu pedido. Quis ela que alguém soubesse de sua desdita sem conhecê-la e sem possibilidades de encontrá-la. A única coisa que diz não ser segredo é que está fugindo, embora não diga de que ou de quem.

Não dá para saber com certeza, mas para mim, Ninguém é uma mulher, tem pouco mais de 30 anos, aborreceu-se da vida, abandonou o marido ciumento e fincou o pé nesse mundo de Deus. Ninguém se cansou da vida doméstica, do marido cheirando a cerveja de todo dia depois do trabalho e chegando a casa querendo sexo. Não era vida, não senhor. Certo que ela viera do interior para morar na cidade grande em busca de oportunidades. Certo que moça e bonitinha foi trabalhar na casa de uma mulher que conheceu através de uma agência de empregos. Também certo que a mulher era muito boa, mas o marido dela um danado sem escrúpulos que jurou pegar a empregada nova desde o primeiro dia em que a viu. Foi por causa dele que Ninguém deixou o emprego, desesperou-se e acabou casando com esse homem de quem agora foge. Terá sido assim?

Como será a Ninguém? Alta, baixa, loira, negra ou mulata? Que tal uma morena alta e bonita que saiu de casa num dia frio, vestindo um capote meio surrado e agora está numa estação ferroviária esperando o trem? Ou uma loirinha alternativa carregando uma mochila nas costas, pedindo carona na beira de uma estrada? Ou…

Não posso dizer o que Ninguém escreveu embora morra de vontade de fazê-lo. São poucas palavras, não muito mais que duas dúzias que, no conjunto, mais parecem uma mensagem cifrada. Começa com “Não conte a ninguém” e termina com “estou fugindo”.  O miolo da mensagem diz coisas um tanto desconexas, mas que fazem algum sentido.

Qualquer pessoa pode preencher o miolo da mensagem enviada por Ninguém e imaginar essa mulher do modo que lhe aprouver. Se achar que Ninguém é um homem, tudo bem. No mais resta aos interessados dar a Ninguém uma historia plausível, melhor que essa de mulher aborrecida da vida etc.

Não vou mentir: tive medo de que o email que recebi fosse um tipo novo de corrente, daquelas que quem se recusa a participar morre tragicamente em poucos dias. Como tenho medo de correntes, resolvi responder ao email enviado por Ninguém. Escrevi um texto meio longo, me dispus a ajudá-la e enderecei a ninguem@ninguem.com.

Enviei o email há dez dias e ainda espero pela resposta. Tenho a impressão de que a demora se deva a essa confusão de linhas invisíveis que ligam as caixas postais eletrônicas de milhões de pessoas. Mas Ninguém responderá, tenho certeza disso.

Escrito por Ayrton Marcondes

22 agosto, 2009 às 6:35 am

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