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A arte da mentira

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Há alguns meses meu filho que estuda na Austrália me ligou informando que sua “girlfriend” estava grávida. Não se preocupe, pai, disse-me ele na ocasião. Está tudo bem, veja pelo lado bom: além de gostar dela vou me casar e com isso terei direito à cidadania australiana.

Sabe como é: uma coisa dessas funciona como um petardo enviado por telefone, ainda mais quando o filho tem apenas 21 anos. Mas que dizer? Está feito, está feito e pronto, não é possível parar o tempo etc. Ele parecia feliz, ia ser pai e eu avô de uma criança australiana, pena que tão jovem, tão cedo, mas nem isso consegui dizer, afinal a vida tem dessas.

Depois que o felicitei - meio sem jeito e dizendo que o negócio é bola pra frente - essas coisas que dizemos quando as palavras falseiam e nos deixam embasbacados, ele começou a rir e disse:

- Pai é mentira. Hoje é primeiro de abril.

Ah, estivesse ele perto e levaria uma paulada na orelha. A partir daí a conversa mudou e me esqueci do fato até ler um artigo publicado pelo “El Pais”, em 15/11, cujo título é “Todos mentimos, o que muda é a dose”. No artigo é citado o livro “The Liar in Your Life” (O mentiroso na sua vida) de Robert Feldman, professor de psicologia na Universidade de Massachusetts, no qual o autor afirma que mentimos entre duas e três vezes em uma primeira conversa de dez minutos com um novo conhecido.

O artigo também afirma que mentimos porque há público. Acrescento que, em alguns casos, a mentira torna-se meio de autopromoção, sendo objetivo do mentiroso elevar-se diante do público que o cerca. Exemplifico: conheci um camarada que se dizia amigo íntimo do poeta Vinicius de Moraes a quem, tenho certeza, ele nunca viu. Por ocasião da morte do poeta o fulano apresentou-se consternado na empresa em que trabalhava. Ato contínuo, simulou um telefonema para a filha de Vinicius que, pelo visto, o atendeu prontamente. A conversa foi longa e em tom de voz suficiente alto para que todos os presentes ouvissem. Acontece que a linha telefônica por ele utilizada tinha uma extensão através da qual se podia ouvir o fulano falando, tendo como resposta o tradicional sinal de ocupado.

Entre os mentirosos muito me atraem os criativos. Numa época em que trabalhávamos numa empresa cujo horário de entrada era impreterivelmente sete da manhã, certo dia um colega de trabalho chegou atrasado e saiu-se com uma história interessante: ele acordou tarde, saiu depressa do sobrado onde morava e esqueceu os documentos. Nervoso, gritou para a mulher, que ainda dormia, para que jogasse os documentos pela janela do andar superior. A desgraça foi que, ao caírem, os documentos ficaram presos na fiação externa da linha telefônica. Imagine-se o desespero do meu colega de trabalho, correndo para arranjar algo longo, uma vara talvez, que permitisse a ele recuperar os seus documentos. Mas, o interessante é que ele acabou conseguindo, só que, desta vez, tornando-se vítima de outro incidente: enquanto recuperava os documentos, deixara aberta a porta do carro por onde entrou o seu enorme cachorro que se acomodou no banco traseiro. Imagine-se a dificuldade para tirar o cachorro do carro e, aí sim, sair às pressas para trabalhar num lugar onde, sabidamente, era obrigatório chegar pontualmente…

Mente-se para ser agradável, por amor, para ser educado, para safar-se de situações indesejáveis, para trair, para incriminar pessoas, pela mania de grandeza ou simplesmente pelo prazer de mentir. Inúmeras causas levam uma pessoa a mentir e para algumas delas a mentira torna-se um hábito. Nesse caso, mente-se indiscriminadamente tornando-se a mentira verdadeira muleta de apoio para os seus usuários.

A teoria da mentira é vasta podendo-se dividi-la em capítulos. Falar sobre ela partindo-se das generalidades para os temas específicos é obra de fôlego que deixamos por conta de especialistas. Vale lembrar, em vôo distante e jamais rasante, que uma mentira gera outras e as que envolvem muitas pessoas são as de maior risco para o impostor.

De todo modo existe algo que muito me impressiona em certas mentiras: acontece quando uma pessoa inventa uma versão sobre um fato que lhe foi desvantajoso e, à custa de repetição, passa a acreditar nele. Vi isso acontecer inúmeras vezes e suponho que essas pessoas, caso fossem submetidas a um detector de mentiras, não se revelariam mentirosas tal a sua convicção sobre a versão inventada. O mais interessante é que coisas assim acontecem também a pessoas que não têm na mentira um hábito: serviram-se dela num momento de pressão e transformaram em verdade absoluta uma versão favorável a si mesmas, ainda que em detrimento da verdade.

Ultimamente tenho pensado na mentira enquanto observo o cotidiano político do país. A minha curiosidade é aguçada toda vez que vem à baila o episódio do mensalão. Esse é um episódio em que uma das facções em oposição está mentindo e é preciso, em prol do interesse público, que se estabeleça a verdade.

Celebridade

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Você quer se tornar uma celebridade ainda que o seu reinado não dure muito? A fórmula é simples: precisa ser ousado e contar com a sorte.

Duvida? Veja aí a estudante da UNIBAN que foi perseguida pelos colegas por ir de minissaia às aulas. Pois foi preciso um vestido quase convencional, mais curto é verdade, para virar notícia no mundo inteiro. “El País” (Espanha), “Guardian” (Reino Unido) e “China Dayli” são só alguns dos jornais que noticiaram o caso nas últimas horas.

O assunto tem rendido análises, despertando a ira de muita gente que fala em machismo e intolerância. O reitor da UNIBAN voltou atrás em relação à decisão do Conselho da faculdade de expulsar a aluna considerada por eles como causadora do tumulto.

Enquanto tudo isso rola na mídia a jovem estudante vive os seus instantes de celebridade. Até que a notícia se desgaste pela perda da novidade e ninguém mais se lembre do assunto.

Viva o efêmero que faz heróis e os desbanca da noite para o dia.