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País justo

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Tinha eu 17 anos de idade quando pleiteei uma bolsa de estudos para o curso superior. Não tinha dinheiro para pagar faculdade de modo que não me restava outra opção. Entre as exigências constava anexar uma declaração de Imposto de Renda do meu pai. Eram os anos 60 do século passado e meu pai jamais havia feito uma declaração, até porque não percebia rendimentos que a justificassem.

Fui a uma agência da Receita Federal em cidade do interior de São Paulo. Atendeu-me o chefe de serviço que me distinguiu, inicialmente, com o epíteto de “vagabundo”. Para ele só um “vagabundo” teria a peitolina de comparecer a um órgão federal para pedir um documento daqueles, inda mais de um sujeito que não declarava. Aos berros me disse que pobre tinha mais é que trabalhar do que se meter a cursar faculdade para a qual não dispunha de meios. O cara perdeu a cabeça. Passou a falar sobre as mudanças de que o país necessitava. Avisou que a Receita chegaria a todos e o governo cobraria o que a ele era devido. Gente como meu pai acabaria se dando mal.

Rapazote, ouvi tudo aquilo assustado e sem dizer palavra. Salvou-me um funcionário do órgão que, vendo a minha aflição, deu um jeito de afastar-me do chefe. Esse funcionário acompanhou-me até a porta, recomendando que eu não ligasse porque o chefe era assim mesmo.

Passados tantos anos - uma eternidade - não me esqueci da humilhação. Depois dela cursei faculdade e, vida afora, cumpri, anualmente, as exigências do fisco, pagando os impostos devidos. Por tudo isso me sinto, enquanto cidadão do país, desorientado ao receber, diariamente, notícias sobre as medidas econômicas do governo, os descalabros dos desvios, a corrupção e mesmo a impunidade de gente que movimenta quantias fabulosas de dinheiro, inimagináveis para as pessoas comuns. Ontem um deputado, condenado pela Justiça por corrupção e atualmente cumprindo pena em presídio, teve seu mandato preservado pelos seus pares na Câmara Federal. E por aí vai.

Fala-se muito em um país justo, coisa duvidosa de que um dia venha a acontecer.  A pergunta “que país é este?” deixou de ser feita porque se sabe muito bem a resposta.

Há uns dois anos soube por um amigo que o “chefe” da repartição que desancou sobre mim toda a verborragia que começara pelo meu enquadramento ao pelotão dos vagabundos  estava mal de saúde e sofria no leito. Entre os meus defeitos não constam o rancor e o ódio. Mas, confesso que não consegui me penalizar pela situação dele.