Dominguinos herdeiro de Gonzaga at Blog Ayrton Marcondes

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Dominguinhos

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No início da década de 90 passei uns tempos no sertão da Bahia. Quando desembarquei no aeroporto de Salvador não fazia ideia do que me esperava. De cara apaixonei-me pela capital que conheci a bordo de um ônibus circular. A descida desde a Praça Castro Alves à Cidade Baixa com a visão do mar e barcos ancorados ao lado do Mercado Modelo está entre os momentos mais emocionantes da minha vida.

Anoitecia quando tomei um ônibus na estação rodoviária rumo ao sertão. Meu destino era a cidade de Euclides da Cunha, antiga Cumbe, local por onde passaram as tropas do governo federal durante a Guerra de Canudos, em 1897.

Naquela época não existiam as estradas federais que hoje permitem deslocamentos mais rápidos na região sertaneja. De todo modo passei algumas horas dentro de um ônibus no qual viajavam pessoas do interior, em geral carregadas de compras feitas na cidade. Além do que muitos passageiros desciam durante o trajeto enquanto outros os substituíam. Na medida em que avançávamos as coisas tomavam rumo diferente, inclusive com o embarque de pessoas trazendo pequenos animais.

Não sei como será hoje a rodoviária de Euclides da Cunha. Naquela época pareceu-me um lugar isolado, distante da cidade, na verdade com ares de abandonado. Mas, ali encontrei um táxi no qual relutei em entrar porque faltava a ele uma das portas…

Quando o táxi chegou à cidade não pude conter o meu espanto. Uma grande festa ali se realizava. Numa praça, sobre um palco, apresentavam-se vários artistas de renome, entre eles o incrível sanfoneiro Dominguinhos.

Depois de deixar as minhas coisas no hotelzinho - meu quarto não era coberto fato que me explicaram porque ali nunca chovia - saí à rua porque não conseguiria mesmo dormir com toda aquela barulheira. Pois foi justamente o momento em que Dominguinhos começou a se apresentar. Devo dizer que se existe identidade entre um músico e o seu povo esse justamente é o caso de Dominguinhos. Ao começar a tocar e cantar ele, herdeiro de Gonzaga, estabeleceu um pacto com o público subitamente imantado a ele. De repente desapareceram a pobreza do lugar, a seca, os infortúnios daquele gente que se unia fraternamente ao som de uma música que a eles pertencia, interpretada por um dos seus. Tornava-se comovente observar nas faces do público a alegria, a gratidão por aqueles momentos nos quais se tornara possível conviver com um ídolo cuja arte a todos apetecia.

Dominguinhos é artista de primeira linha, em seu gênero musical insuperável no palco. Grande voz e invejável domínio de seu instrumento fazem dele um ícone da música brasileira. No dia seguinte um amigo apresentou-me ao Dominguinhos com quem troquei rápidas palavras. Homem simples, perfil de sertanejo, figura por demais agradável.

Hoje o filho de Dominguinhos divulga que o estado de coma em que o pai se encontra é irreversível. Segundo o filho o músico nascido em Garanhuns está, pois, por nos abandonar, deixando um imenso vazio nos quadros da arte nacional. Perda irreparável para a música e seus milhares de fãs.