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Os muitos Brasis

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Meu tio era um sujeito formidável, embora de temperamento explosivo. Profundamente humano só se perdia quando algo parecia a ele errado demais. Não aturava os discursos eivados de mentiras. O crime, a corrupção e a desigualdade social davam-lhe nos nervos.

Meu primo, filho de meu tio, era muito diferente do pai. Jovem nos anos sessenta e início dos setenta o rapaz deixara-se influenciar pelo modismo da época que incluía o modo de ser dos músicos dos Beatles, a começar pelos cabelos longos etc. Para meu tio que nascera no começo do século e fora estudante na década de 20 a novidade muitas vezes soava incompreensível. Havia para muitos dos jovens da época um sentido de protesto nem sempre determinado contra quem ou o quê. Meu tio achava que o filho simplesmente assumia um modo de ser não convencional, sem que isso representasse adesão a qualquer ideologia.

Meu tio tinha em sua casa uma estante apinhada de livros entre os quais figurava o “Os dois Brasis” do francês Jacques Lambert. Meu primo sempre se referia a esse livro para dizer que aquele era o mundo do pai que tanto o criticava. N verdade achava engraçado o título do livro que, assim suponho, nunca chegou a ler.

Lambert escreveu seu livro na década de 50 quando o país passava por período de muito entusiasmo. Vargas retornara ao poder do qual saíra ao se suicidar em 1954. Juscelino, eleito em 1956, iniciara período de aposta no desenvolvimento com seu programa “cinquenta anos em cinco” com o qual visava vencer anos de atraso na história do país. Entre outras considerações Lambert destacava a disparidade entre Sul/Sudeste e Norte/Nordeste.  Assim, o Sul e o Nordeste, eram como países diferentes dentro de um mesmo país: o primeiro, industrializado e com melhores condições de vida, o segundo, arcaico e subnutrido.

Ainda hoje se fala na existência da dicotomia apontada por Lambert. O resultado das últimas eleições presidenciais evidenciou a dicotomia entre Norte/Nordeste e Sul/Sudeste.

Hoje em dia o que desperta a curiosidade é saber-se, afinal, quantos Brasis existem, tamanhas as diferenças econômicas, sociais e educacionais em nossos vasto território. Nos anos 50 Lambert previa crescimento vertiginoso da população do país e destacava a necessidade de empenho educacional gerando-se, assim, a mão-de-obra especializada tão necessária ao desenvolvimento. Considerava ele ser o Brasil um dos raros países com possibilidade de se tornar grande potência equiparada aos EUA e URSS.

Passados mais de 50 anos o Brasil vê-se, ainda, sob o estigma das dicotomias e dificuldades de afirmação no cenário internacional. Abre-se o ano de 2015 com perspectivas sombrias de estagnação, gerando-se na população receios em relação aos dias futuros.

Meu tio não acreditava em problemas não resolvidos. Para ele e muita gente de seu tempo o esforço comum e a honestidade sempre gerariam bons frutos. Ele acreditava no Brasil e no povo brasileiro. Várias vezes eu o ouvi repetir que, infelizmente, não viveria para conhecer o belo país que teríamos no futuro.

E nós, viveremos?