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A jornalista

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Entrei no elevador e dei de cara com uma senhora de aspecto sisudo. Não trocamos palavra em quase todo o percurso até que ela me perguntou:

- Você trabalha com o quê?

- Na área de educação - respondi.

- Educação: é tudo que não temos e do que mais precisamos - sentenciou ela.

Confesso que por mim a conversa teria parado por aí. Estava com pressa e a senhora realmente não tinha jeito de pessoa que faz amigos. Mas ela insistiu na conversa:

- As pessoas me acham muito ranzinza, reclamona, você deve saber disso…

Só então me lembrei dela. Era a senhora que atazanava todo mundo nas reuniões de condomínio. Corria até que a incompatibilidade com os moradores se devia à insistência dela em assumir o cargo de síndica do prédio. Pretensão, aliás, nunca aprovada pelos condôminos.

O elevador chegou ao térreo, saímos e eu ia me despedir quando a senhora me segurou pelo braço:

- Veja bem, sou mesmo intolerante. Mas é que eu me cansei, sabe? Fui jornalista e aguentei muito, agora não aguento mais. Tenho mais de 70 anos e nessa idade a gente cansa. Vai acontecer com você, não se engane. A grosseria, a depredação do que é comum às pessoas, a falta de educação, essas coisas se tornam pesadas, inaceitáveis. E que dizer da falta de respeito, você não acha? É por isso que eu brigo, por isso reclamo. Não aceito o descaso com coisas que pertencem a todos e a falta de urbanidade. Não sou um bicho, sou gente. Você também vai chegar lá, vai acontecer com você quando tiver a minha idade.

Depois disso nos separamos, cada um para o seu caminho. No trânsito, dirigindo, eu me senti incomodado, a princípio sem identificar a razão. Creio que foi num momento em que vi um homem correndo para não ser atropelado por um motoqueiro que identifiquei a causa do meu desconforto. Foi aquele “vai acontecer com você” colocado pela senhora como parte de um fatalismo inevitável. Aquilo me atingiu. Então eu me vi bem velho, dentro de um elevador, falando a um desconhecido sobre a minha intolerância com o mundo e as pessoas, quase implorando para ser compreendido, talvez pedindo para que as coisas fossem diferentes.

Não! Eu jamais faria isso. Não é porque chegaria àquela idade que mudaria o meu perfil de recato e sairia por aí pregando sobre a vilania que grassa no mundo.

Não faria? Sei lá. É preciso chegar lá para saber.  Talvez a senhora tenha razão e o mundo se torne insuportável. Será?