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Depois do natal

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Depois do natal

Fim de ano. Entre o natal e o ano novo um intermezzo de nem sempre fácil travessia. É quando paramos para fazer as contas, erros e acertos, prós e contras etc. Esse balanço nem sempre resulta agradável.

Impossível, no natal, não refletir sobre tantos outros que já vivemos. As coisas podem se complicar justamente no momento da ceia. Quando nos sentamos à mesa e observamos as faces de nossos convivas eis que se assoma uma ponta de desengano. Onde os convivas do passado, aqueles com quem estivemos naquele ano, naquele natal? E o primo João de quem tanto gostávamos, ele que nos fazia rir com seu besteirol tão bem preparado, ele que foi levado por um câncer quando ainda tinha só 39 anos?

O natal consiste de reunião feliz da qual participamos com entes queridos. Mas, existe outro natal, o dos ausentes, das cadeiras vazias ao nosso lado, natal de memórias sobre tantos que pela nossa vida passaram e outros que da mesma vida já se foram. Basta-nos fechar os olhos para imergir em natais passados, outras mesas, outros comes bebes e, principalmente, outras pessoas, os tais ausentes cuja falta tanto nos pesa.

De repente, eis-me menino com minha irmã a correr pela casa onde morávamos, empunhando pincéis e tinta para dar um jeito nas paredes, tudo isso porque era natal e precisávamos da cor, da beleza que tanta falta nos fazia. E na rua defronte à nossa casa, deslizando sobre o chão de terra batida, aquele negro alto, o cabo Chico, homem sem nariz cuja voz parecia nascer espremida pelo ar que a ele faltava, bêbado e louco, quase dançando, pobre e, entretanto, feliz porque era natal.

Para onde foram todos? Onde as gentes de outros natais, onde as pessoas a quem amamos? Estará, ainda, passado já mais de sessenta nos, o cabo Chico deslizando, naquela rua, perdida no tempo, reprisando cena que só sobrevive na minha memória, neste natal?

Na madrugada sento-me à mesa e observo as cadeiras vazias. De repente, percebo que não estou só. Eles vão chegando devagar, silenciosamente ocupam seus lugares. Em pouco estamos juntos, novamente. Ali estão minha mãe, meus irmãos… Eles me olham sorridentes, felizes. É mesmo o natal.

Escrito por Ayrton Marcondes

30 dezembro, 2018 às 8:03 am

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