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Depois do carnaval

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Acompanhava minha mãe à igreja para receber as cinzas da quarta-feira. Em geral havia pouca gente. Na minha vez recebia o semblante sisudo do padre como reprimenda. Ele balbuciava palavras ininteligíveis e fazia na minha testa o sinal da cruz com as cinzas. Saíamos da igreja com o sinal escuro, prova de nossa fé. As cinzas apagariam os erros praticados durante a folia dos dias anteriores, pelo menos assim eu entendia a liturgia.

Não sei se os fiéis comparecem em massa hoje em dia para receber as cinzas. O que há de novo é que a quarta-feira já não representa o fim do carnaval. A folia invade a quaresma. Na própria quarta-feira saem blocos de rua em muitas cidades do Brasil. Em Salvador o carnaval parece que se nega a terminar. Trios elétricos seguidos por multidões não dão a mínima para o previsto fim da folia. Homens e mulheres fantasiados, seios à mostra, baterias sacudindo os corpos com a loucura de batidas sonoras que parecem não ter fim.

Hoje é sábado. Amanhã, domingo, a turba estará de novo nas ruas, sacolejando corpos. Em São Paulo a Av. 23 de Maio estará fechada ao trânsito de veículos para a passagem dos blocos. Espera-se mais de um milhão de pessoas na grande avenida. O povo segue em festa para esquecer as mazelas do dia-a-dia sempre convulso no país.

Mas, a segunda-feira, chegará, acreditem. Com ela o silêncio dos tambores, das vozes que cantam funk e outros gêneros nos trios elétricos. Com pesar as pessoas retornarão a seus afazeres e responsabilidades. A cortina de fumaça da alegria contagiante será desfeita e a realidade se instalará, implacável.

Como será o ano de 2018 que, como se diz, começa mesmo agora que terminou o carnaval? O governo federal acaba de intervir no Rio para tentar resolver os problemas da segurança. A reforma da previdência sai do foco do governo de vez que as chances de vir a ser aprovada parece muito remota. E assim por diante.

Nós? Ora, seguiremos a bordo desse grande barco à deriva que se chama Brasil. Muitos desertarão ao longo do ano e novas vidas adentrarão o convés, oriundas das maternidades. A vida seguirá em seu ritmo vertiginoso até que, passado um ano, entraremos num novo carnaval.

Os calendários são repetitivos. A vida é repetitiva. A morte nada mais que pontual.