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Cenas de uma manhã de domingo

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São duas cenas, ambas tendo como palco uma feira-livre. A primeira rola quando um casal chega à feira e passa a andar no corredor entre as barracas. A mulher tem cerca de 30 anos de idade e corpo escultural. Não chega a ser bela, mas os dotes físicos pronunciados através do tipo de roupa que usa se destacam e atraem olhares masculinos.

Passa o casal de mãos dadas e o feirante da barraca de frutas diz:

- Olha, olha… Que mulher! Mulher assim custa muito dinheiro.

Duas senhoras que escolhem frutas olham para ele algo indignadas. Ele se explica:

- Vocês acham que um careca feio desses tem uma mulher assim sendo pobre? Pode apostar, o careca tem dinheiro. Para ter uma mulher dessas o cara precisa dar para ela um cartão de crédito e dizer: pode gastar. Se não for assim ela não fica.

Uma das senhoras diz, não sem uma ponta de irritação:

- Você não acredita no amor. Ela pode muito bem gostar dele, não há dinheiro que segure a relação sem amor.

O feirante toma ares de quem conhece a vida e sentencia:

- Pode escrever, o cara tem muito dinheiro para bancar uma mulher dessas.

A discussão prossegue sem que se chegue a acordo. O dinheiro é confrontado com o amor, sem nenhuma piedade pelos sentimentos. No fim o feirante vai atender outras pessoas e a conversa termina quando um rapaz que trabalha na banca diz a outro:

- Não adianta, mulher bonita acompanhada de homem feio dá nisso. Os homens não aceitam e pronto.

Mais à frente desenrola-se a segunda cena da manhã de domingo. Um japonês conversa com uma senhora, provavelmente sua conhecida, e, de repente, sai-se com essa, falando alto para as pessoas ouvirem:

- É o que eu sempre digo: primeiro a gente come a carne para depois comer os ossos. Estamos casados a 45 anos. Ela é tudo para mim.

A frase intriga as pessoas próximas que observam o japonês sem dizer nada. Em seguida a mulher o japonês, que estava afastada, aproxima-se dele. Ele a envolve com o braço e os dois seguem carinhosamente.

Das muitas formas de se dizer que se ama alguém a relação entre comer carne e ossos é, de fato, inusitada. Mas, como entrar numa história de 45 anos de casados, nos diferentes modos com que as pessoas se declaram a outras segundo a capacidade de entendimento que desenvolveram entre si ao longo de toda uma vida?

Em relação à primeira cena duas coisas precisam ser ditas: aquele a que o feirante alcunhou de “careca” não era um sujeito feio; vale lembrar a letra do samba que diz, taxativamente, que é dos carecas que elas gostam mais.