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A festa do vizinho

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O vizinho do lado está dando uma festa. A música é dos anos 70 e, pelo ruído das batidas dos pés, as pessoas dançam. O som é alto e os Bee Gees estão arrepiando. A pessoa que comando som, o DJ da festa, volta e meia repete “Stayng Alive” e “Night Fever”.

A gritaria invade a madrugada. Imagino o meu vizinho, homem que usa sempre gravata e normalmente tão contido, metido nessa algazarra. A mãe dele, a senhora da cadeira de rodas que toma sol de manhã na área dos fundos do prédio, como estará agora?

Penso em ligar para a portaria para pedir silêncio, afinal são duas horas da manhã. Chego a tirar o interfone do gancho, mas desisto: em 364 dias por ano não ouço um só suspiro no apartamento do lado. Isso é assim todos os anos, excetuando-se a noite de 8 para 9 de setembro. Nessa noite tudo se transforma. De repente, começam a chegar flores, funcionários de um bufê trazem comidas e bebidas e, lá pela nove da noite, aparecem os convidados.

Já cruzei com muitos convidados do meu vizinho no elevador. São pessoas circunspectas como ele, homens de terno e gravata, mulheres com roupas de noite, pintadas e usando jóias. Nunca vi jovens, mas é provável que existam alguns no meio da gente que chega. A presença dos convidados, todos os anos na mesma data, significa que vai rolar a festa. Aliás, um detalhe me intriga: a festa sempre termina, religiosamente, às 3h30min da madrugada ao som do “Danúbio Azul” de Strauss.

Não sei o que isso significa. Por que justamente o “Danúbio Azul”? E às 3h30min da manhã? E com as pessoas de repente em profundo silêncio? Não sei. O que sei é que, depois disso, as pessoas vão embora, muito quietas e, a partir daí, não se ouve mais nada.

Como não consigo dormir nessas ocasiões, fico matutando sobre a possibilidade de o meu vizinho fazer parte de alguma confraria, talvez uma organização secreta, um novo tipo de maçonaria, sei lá. Pode até ser que essas pessoas sejam membros de um clube satânico como aquele do filme “O Bebê de Rosemary”. Nesse caso o meu vizinho teria alguma ligação com as regiões infernais e estaria a serviço do mal. Será?

Por volta das três da manhã a agitação aumenta. O DJ toca músicas do “Queen” e da banda “Chicago”. Depois repete “Stayng Alive” e pode-se perceber uma grande animação. Às 3h22min há um minuto de silêncio e aí começa o “Danúbio Azul”.

Quando a valsa de Strauss termina, a cena de todos os anos se repete: os convidados vão embora e nada mais se ouve.

É possível que de manhã, quando eu sair de casa, encontre o meu vizinho, como acontece em quase todos os dias. Ele estará com o seu terno, a gravata escura, e me desejará bom dia, circunspecto como sempre. Será assim durante todo o tempo, até a noite de 8 para 9 de setembro do próximo ano. Então o ritual se repetirá, haverá uma festa para os convidados que terminará as 3h30min da madrugada, pontualmente.

Não me surpreenderei se um dia vier a descobrir que o meu vizinho é o próprio diabo que, uma vez por ano, recebe seus asseclas para uma sessão pop de satanismo.

Vou ficar de olho nele.