crítica do filme 12 anos de escravidão at Blog Ayrton Marcondes

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12 anos de escravidão

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Eis aí um filme denso, pesado. Talvez o filme que mais intensamente tenha abordado a questão da escravidão. Tal o realismo dos fatos, a dureza, que o espectador não tem como não se sentir desconfortável. Não se trata apenas do racismo, da pretensa supremacia da raça branca, da alardeada superioridade da pela branca sobre a pele negra. O que está em jogo é algo além: a posse de um ser um humano por outro, o estranho direito de alguém sobre outro que se torna sua propriedade. O branco que possui o negro tem sobre ele toda sorte de direitos. Pode matá-lo se assim lhe aprouver. Pode esfolá-lo vivo em nome de uma supremacia adquirida não só pelo dinheiro da compra como pelas leis que regem a sociedade. Pode violentar mulheres a seu bel-prazer sem que sobre sua alma pese qualquer culpa. Enfim, o filme versa sobre dominação de um ser humano sobre outro, convertido em seu permanente refém. Para esse refém não existe esperança. Nascido para servir o fará ainda que não restem a ele forças para tanto. Servirá até que a vida escape a ele por entre os dedos. Curvará o seu dorso roído pelas vergastadas ordenadas por um branco qualquer a quem protege o estatuto da dominação. Não importa quem seja esse branco, nem mesmo se dentro dele existe alguma alma. O que importa é seguir a regra que pais passam para filhos porque o mundo é assim e neste mundo irrisório os brancos nasceram superiores aos negros.

“12 anos de escravidão” conta a história de um negro liberto que é sequestrado e convertido em escravo. Enganado por dois homens que o contratam para tocar violino em festas o negro é vendido a traficantes que o comercializam com fazendeiros do sul dos EUA. Inicia-se, assim, todo um processo de despersonalização do negro culto e ótimo violinista que aprende a não falar e negar suas qualidades: é melhor ser mais um que chamar a atenção dos proprietários que mantêm sobre ele todos os direitos. Assim, mesmo o nome do negro livre, Solomon, desaparece. Ele passa a ser Platt, ele nada mais é do Platt, o escravo.

“12 anos de solidão” também é um filme sobre a maldade humana. Para o proprietário de escravos a linha que delimita as ações entre humanitárias e selvagens é tênue.  A posse do escravo gera na alma do proprietário os mais baixos instintos. O homem que domina alcança prazer em seu domínio sob a desculpa de que caso não atue com mão firme os negros poderão se rebelar. O filme mostra isso de forma pungente, riqueza de detalhes, dir-se-ia até com exagero de confirmações. Tal a sequência de malefícios a que são submetidos os escravos que, a certa altura, é lícito ao espectador se perguntar se a intenção do diretor não teria sido a de apresentar prova sobre prova, como a gritar que o ser humano é isso mesmo, que de toda forma é preciso contê-lo.

“12 anos de escravidão” acaba de receber o prêmio de melhor filme do ano na cerimônia do Globo de Ouro. Do diretor Steve MacQueen pode-se dizer que mais que todos os que trataram do tema da escravidão foi aquele que logrou mostrar sem disfarces o mal em toda a sua extensão.  Há que se elogiar a interpretação dos atores. Chiwetel Ejiofor está perfeito como Solomon, o negro livre que é transformado em escravo com o nome de Platt. Muitas boas também as atuações de conhecidos atores como Michael Fassbender, Benedict Cumberbatch e Brad Pitt, entre outros.