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Crise conjugal

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De tanto ver passarem tempestades a gente se habitua até mesmo à possibilidade de chegada de um furacão. Mas isso, infelizmente, só acontece com alguma experiência acumulada, anos de estrada e enfrentamento com toda sorte de contradições da vida a dois.

Casaram-se há pouco e já se desentendem. Temperamentos quentes, ambos fazem parte do contingente conhecido como dois bicudos não se beijam. Uniram-se pelo amor, disso não restam dúvidas. Então fica o amor como fiel da balança, barco que segura dois possíveis náufragos porque foram à água sem saber remar.

A vida urbana, cotidiana, estressante, contribui para que se jogue mais lenha na fogueira. Os dois trabalham o dia todo e só se encontram à noite, na hora do jantar. Cansados e impacientes - o dia foi longo, os problemas enormes - começam uma conversa despretensiosa, esse tão perigoso falar sobre nada porque no meio de tudo aparece uma frase, dita sem pensar, de significado dúbio, palavras erradas que seguem caminho diverso da intenção e atingem um ponto nevrálgico. Então o desentendimento começa, em pouco cada um se refere à família do outro, ele com os filhos do casamento anterior que moram com aquela santa da ex-mulher, ela sem filhos e querendo o marido só para ela, isso quando a sogra, a mãe dela, não desembarca na conversa para azedar tudo mais ainda.

Está feito o bolo, a encrenca rola solta, de vez em quando um deles tenta apaziguar os ânimos, mas acaba dizendo uma bobagem que ofende ainda mais. Não demora e estão aos gritos que podem ser ouvidos no vizinho, gritos e mais gritos até que ele pega o paletó e a chave do carro e diz que vai sair de casa. Coisa que, aliás, só faz após mais um gole de vinho, essa bebida tão boa para soltar a língua e dizer coisas sem pensar.

Ela fica em casa chorando, desesperada. Depois se acalma um pouco, liga para a mãe, conta tudo direitinho e pergunta se a mãe acha que ele vai voltar. A mãe coloca panos quentes, diz que casamento é assim mesmo no começo, depois as coisas se acertam - você não sabe como o seu pai era quando nos casamos. Seguem os conselhos de sempre, respeito é tudo no casamento, é preciso ter paciência, ele é assim, mas é preciso ter muita paciência, olhe que ele faz de tudo por você, a gente nota o quanto ele gosta de você.

É madrugada, ela não consegue dormir e ouve o barulho na porta: é ele voltando, graças a Deus. Marrudo, o macho ferido vai para o quarto de hóspedes, deita-se de roupa e tudo, está de saco cheio, trabalha tanto para chegar à casa e dar no que deu, quem sabe o melhor é separarem-se logo e por um fim a essa comédia de mau gosto.

Os dois dormem em camas separadas, é a primeira vez que isso acontece. De manhã se levantam quase à mesma hora. Ela está no banheiro, ele entra e faz como se não a visse, mas observa com o canto dos olhos. Ela de cabeça baixa, ele disfarçando até que não se aguenta, é a carne que chama. É quando ele aproxima-se dela bem devagar, ela que não resiste e o resto todo mundo sabe porque o café que tomam quase uma hora depois é cercado de afagos entre animais saciados.