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Globalização futebolística

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Aconteceu durante o jantar. A certa altura o garçom que me servia referiu-se ao jogo entre as seleções do Brasil e da Argentina que aconteceria na mesma noite. Acrescentou que entre essas duas seleções o jogo sempre é bom pela rivalidade que existe entre elas. Depois parou de falar e mostrou-se pensativo, após o que perguntou:

- Bem, quanto à rivalidade já não é tanto assim, o senhor não acha?

Acho? Acho que acho. Mas, por que razão já não é tão grande a rivalidade futebolística entre o Brasil e a Argentina ou entre o  Brasil e o Uruguai? Não é que na última Copa do Mundo torcemos pelo Uruguai depois que o Brasil foi desclassificado? Olhe que em relação ao Uruguai esse sentimento de compadrio é muito recente. Os meus tios, já mortos, pertenciam à geração que chorou pela catástrofe da derrota brasileira frente aos uruguaios na Copa de 50. Depois disso, o Uruguai transformou-se em fantasma que assombrou gerações. Quem não se lembra do dia do terrível jogo do Brasil contra o Uruguai na Copa de 70? Tínhamos aquela formidável seleção que se tornaria campeã e, ainda assim, temíamos o Uruguai. Temor provocado pelo fantasma do Maracanã que persistia nas memórias. Quando o Uruguai fez o primeiro gol foi um Deus nos acuda: repetia-se 50. Mas, empatamos no final do primeiro tempo e vencemos o jogo. Ali o fantasma uruguaio foi pelo menos em parte enterrado, embora ainda sobreviva para algumas pessoas.

Desnecessário dizer que já não é assim. Explicações existem para a mudança, talvez nem tanto convincentes. Uma delas refere-se aos jogadores sem bandeiras, taxiados pelas fortunas dos clubes que os fazem atravessar fronteiras com enorme facilidade. Numa mesma equipe europeia atuam vários jogadores de diferentes nacionalidades. Deriva daí uma espécie de corrosão de patriotismo que resulta numa quase falta de compromisso com as cores nacionais a defender. Já não vigora o matar-se em campo, o orgulho em defender a seleção nacional. Além do que é bom lembrar que os jogadores que agora se confrontam nos jogos entre as seleções de seus países muitas vezes são companheiros de clube fato que, naturalmente, mina o espírito de competição.

Também não se pode descartar a globalização em si com todas as suas consequências, entre elas certo apagamento de fronteiras. Se a isso acrescentarmos os meios de informação que transformam o planeta num corpo único, próximo da aldeia global idealizada por Marshall McLuhan, talvez eu possa retornar ao jantar de ontem para afirmar, categoricamente ,ao garçom que sim, de fato, já não existe a rivalidade de antes entre as seleções do Brasil e da Argentina.

Se no sentido geral isso é bom ou mau não sei dizer. Em relação ao futebol não há dúvidas de que as perdas são significativas. A rivalidade sadia entre Brasil e Argentina no futebol sempre foi uma delícia, mais prazerosa ainda quando ganhamos deles. A seleção argentina sempre foi um osso atravessado em nossas gargantas, difícil de engolir por ocasião de derrotas brasileiras. Nem por isso deixamos de admirar os bons jogadores deles, digam o que disserem.

A vida é boa não só pelas vitórias, mas pelas derrotas que nos oferecem a chance de revanche. Assim é o futebol. Assim somos nós, eternos apaixonados pelo esporte.