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Carlos Alberto

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Impossível dissociar a imagem do “Capita” do momento em que se celebrizou, beijando e erguendo a Taça Jules Rimet. Eram os dias do governo Médici e viviam-se os temores da repressão. A instabilidade gerada pelas ações de extremistas ganhava corpo com sequestros como o do cônsul japonês só libertado após a soltura de cinco presos políticos. Movimentos como o da Vanguarda Popular Revolucionária agiam, pretendendo a instalação de um governo socialista no Brasil.

A atmosfera do país era de fato pesada. Aí surgiu a seleção. Incialmente sob o comando técnico do conhecido jornalista João Saldanha a seleção não contava com a confiança popular e da imprensa. A desconfiança tinha razão de ser: após vencer as copas de 58 e 62 o Brasil fracassara, melancolicamente, na Copa de 66. Saldanha criou um mote: seus jogadores seriam “11 feras” com as quais iria até o fim, para a vitória ou o buraco. Depois de Saldanha ser substituído por Zagalo formou-se o time que jogaria no México e se tornaria campeão.

Tudo o que está escrito acima é de conhecimento geral. O que se pretende é falar sobre as impressões de quem viveu aquele momento. Num Brasil ainda sobre regime ditatorial a seleção acabou se transformando numa válvula de escape que, naquele momento, resgatou a alegria natural dos brasileiros. De repente fomos envolvidos por uma onda de Brasil, Brasil, Brasil que nos fez lembrar de nossa condição de povo de um país.

Lembro-me bem do primeiro jogo, contra a Tchecoslováquia. Estava em casa de um amigo com os olhos grudados na telinha. De repente 1 X 0 para os tchecos. Desceu sobre nós a imagem de mais uma derrota. Que durou até o empate através do petardo do fabuloso Rivellino. Daí para a frente percebemos a enormidade de craques que tínhamos na seleção. No gol de Rivellino eu e meu amigo saímos à porta da casa: ouvíramos o espocar de alguns foguetes coisa estranha num tempo de silêncios.

A maior seleção nacional que o país já teve contava com craques como Pelé, Gerson, Tostão, Jairzinho, Rivellino, Clodoaldo e Carlos Alberto. Era um time infernal que venceu a Itália no jogo final com o memorável quarto gol de Carlos Alberto. Foi o grande lateral Carlos Alberto quem perdemos ontem, levado pela morte aos 72 anos. Como jogava Carlos Alberto. Que raça. Que amor à camisa. Homem de opinião enfrentou com galhardia disputas dentro e fora do campo. Deixa saudades. Com o desaparecimento de Carlos Alberto abre-se um buraco com a sensação de cada vez maior distanciamento do tempo que se foi, da glória vivida, de um hiato de alegria que nos envolveu num tempo sombrio. Grande vazio nos deixa o passamento do “Capita”.

Da seleção de 70 me recordo do dia do retorno dos craques ao Brasil. A cidade de São Paulo parou para recebê-los. Vinham em veículo aberto pela Av 23 de maio. Eu era um dos milhares de brasileiros agrupados nas encostas da avenida, esperando-os. Então eu os vi, aquela geração gloriosa do nosso futebol. Gritávamos, saudando-os. Ainda me emociono ao me lembrar daquele dia.

Escrito por Ayrton Marcondes

27 outubro, 2016 às 12:52 pm

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Sorteio das Eliminatórias

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Assisti ao primeiro jogo da Copa de 70 na casa de um amigo. Até então não tínhamos confiança no time. Quando a Tchecoslováquia fez o primeiro gol nossos temores pareciam confirmados. Depois foi o que se viu, o futebol exuberante da seleção nacional que venceu por 4X1.

É difícil reproduzir o efeito da vitória brasileira naquela noite. São Paulo não era a cidade de hoje e estávamos no auge da ditadura e repressão política. Mas, a cidade explodiu em fogos e buzinaços. Num tempo de alegria breve e muito silêncio o futebol entrava em cena para lavar a alma do povo. Depois do jogo eu e o meu amigo fomos a um bar na Av. Ibirapuera e comemoramos a vitória com muita cerveja. Foi quando conhecemos um senhor que nos deu algumas lições sobre como lidar com o sexo feminino, mas isso já é outra história.

Lembrei-me do jogo de 70 quando vi, pela televisão, o sorteio para a próxima Copa que terá lugar no Brasil. Depois da vitória contra a Tchecoslováquia formou-se a tal “corrente pra frente” com os “90 milhões em ação”. A verdade é que nem todos os brasileiros faziam parte da corrente. Havia deserções entre os tais 90 milhões, população do país na época. De fato, pessoas refratárias ao regime imposto no país pelos militares viam a vitória do Brasil na Copa como instrumento muito útil ao governo. Confesso que ao rapaz que eu era na época escaparam as associações entre futebol, alegria do povo, disfarce da repressão etc. Talvez por isso tenha estranhado muito quando pessoa próxima a mim declarou de forma alguma torcer pela vitória brasileira. Bem eu torci, vibrei e jamais me esquecerei daquela formidável seleção de 70. Torceria hoje acaso vivêssemos a situação do país naquela época?

Certamente que não. Tive essa certeza justamente durante o sorteio realizado pela FIFA no sábado. A verdade é que a atuação da CBF, o modo de agir do atual presidente da entidade e toda a tramoia que envolve a construção de estádios com a participação de dinheiro público, tudo isso e muito mais interfere no encanto do futebol que tanto amamos. De repente parece que de tudo o que se está planejando o que menos interessa é o futebol propriamente dito. Interesses econômicos, conchavos, interferências políticas, ações da cartolagem e até mesmo certo descaso dos jogadores fazem-nos sentir saudades da seleção como expressão nacional de nossa força e capacidade.

Talvez por isso tudo eu não tenha me abalado a eliminação do Brasil na Copa América. Na verdade não dei importância que daria no passado a uma vexaminosa derrota da seleção brasileira. O que me leva a parafrasear o grande Machado de Assis: mudei eu ou mudou o futebol?