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Dia das Bruxas

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As ligações dos humanos com o “outro lado” são complicadas. A eterna pergunta, sem resposta, sobre o que existirá depois da morte encerra múltiplas interpretações. Afinal, a partir do momento final o que me espera do lado de lá se é que ele de fato existe?

O mundo mudou demais nos últimos 50 anos. As crianças que hoje vivem em apartamentos nas cidades, tendo à mão artefatos eletrônicos e aparelhos de televisão a cores, não podem imaginar o que era a vida no passado. Pequenas localidades, luz elétrica nem sempre presente, casas antigas e, vez ou outra, algum contador de causos narrando histórias arrepiantes. Juntos tais ingredientes fermentavam o medo.

Quando criança tive muito medo de almas do outro mundo, de vampiros e lobisomens etc.  Bastava algum conhecido morrer para, imediatamente, passar a fazer parte do contingente de fantasmas que vagavam pelos escuros das casas, podendo aparecer a qualquer momento a uma pobre criança. Existia uma cultura do medo, fomentada pela crença de que nem todos os que morriam subiam direto ao céu para prestar contas pelos seus pecados. Almas penadas erravam pelo mundo, algumas delas entregando-se, prazerosamente, ao ofício de assustar crianças.

Como quase toda gente nascida no pós-guerra sempre tive pé atrás com a cultura norte-americana embora confesse ter sido precocemente seduzido pelo jazz. Não chegava ao excesso de acreditar que os irmãos do Norte botavam ingredientes subversivos na Coca-Cola para tornar-nos favoráveis aos EUA em sua ferrenha disputa com os russos durante a Guerra Fria. Mas, dada a dominação econômica e cultural dos EUA sobre o bloco americano foi-me impossível não ter certo preconceito contra as tais “coisas de americanos”. Entre elas, o “Dia das Bruxas” ou “Hellowenn”, por que não?  Aquela história de festas, fantasias, travessuras, lanternas de abóboras, fogueiras, adivinhações etc. eram, de fato, bem coisa de americanos. Daí que nunca acreditei que a mania viesse a pegar no Brasil onde vigoram outras tradições e costumes. Mas, eis que aconteceu. Hoje em dia crianças em idade escolar comemoram o “Dia da Bruxas”, incorporando hábitos americanos. Fantasias, mascaras e tudo que se relaciona a bruxarias fazem parte de festas escolares e, mesmo, reuniões de adultos que se fantasiam para a ocasião.

Eis que, de repente, me vi vencido pela tal festa. Além da diversão em si que dela faz parte há que se elogiar a descaracterização do medo. Faces lúgubres, fantasias espectrais e outros adornos do mesmo tipo “normalizam-se”. Que mal há nesse contato precoce com monstros e fantasmas que de fato não passam de fantasias para festa? Bem melhor que ter-se 13 anos de idade e estar, 50 anos atrás, num lugarejo, tendo nas mãos o conto “A máscara da morte rubra” de Edgard Allan Poe. A morte rubra comparece a uma festa à fantasia num palácio e passa a atacar os festivos convivas. Horror, puro horror, horror de dar medo de apagar a luz do quarto na hora de dormir.

Aliás, nos últimos tempos tenho feito as pazes com a morte, talvez porque ela de fato esteja no meu encalço. Fui ao México e me apaixonei pelas Katrinas, aquelas caveirinhas. É impressionante a cultura daquele povo em relação à morte. O dia dos mortos é comemorado com grande festa. Enfeites, fantasias, esqueletos, ceias em cemitérios, caveirinhas com açúcar etc. A festa, também chamada de “Carnaval dos Mortos”  se baseia na lenda de que, nos dias 1 e 2 de novembro, os mortos têm permissão para vir à Terra, visitar seus entes queridos. Daí preparem-se comidas de que os mortos gostavam e enfeitar as casas para recebê-los.

Com tudo isso pode-se dizer que o medo do sobrenatural anda em baixa.