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Atrás da bola

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São dois gols, ambos tendo por traves pares de chinelos velhos. Entre um e outro poucos metros, as laterais do campo duas paredes acinzentadas.

Isso mesmo, o campo de futebol é um corredor, parte externa do apartamento onde mora o zelador, fundo do prédio, último andar. O jogador dos dois times é um menino que corre de um lado para outro com uma bola de borracha nos pés. No vai-e-vem, entre um gol e outro, ora ele usa a camisa de um time, ora de outro. Controlando a bola de repente ele é o craque de um dos times, depois do outro, dizendo nomes de jogadores que repete em voz alta, arfando o peito, correndo para fazer gols e mudar o placar.

Agora é o time da porta da cozinha que desce em direção ao gol do time da janela do quarto e faz um golaço; na volta o time da janela desconta, coloca a bola entre as traves do gol da porta da cozinha e o jogo está empatado. O menino corre de um lado para outro fazendo gols que soma, um a um. Até que chega ao 7×7 e se distrai com o cachorro que atravessa o campo, não sem protestos da torcida e dos jogadores. O menino, nesse momento juiz e locutor, expulsa o animalzinho do campo e prende-o enquanto irradia o fato em voz alta.

Os jogadores esperam o reinício da partida e voltam a correr. Os gols se sucedem, gol aqui, gol lá, num jogo que parece estar fadado a ficar sempre empatado. A coisa toda continua até que uma voz de mulher ecoa no estádio: é a mãe do menino que o chama para o jantar. É hora de acabar o jogo, justamente no momento em que o juiz marca um pênalti contra o time da porta da cozinha.

São 47 minutos do segundo tempo e o pênalti vai decidir o campeonato. O menino, jogador do time da janela do quarto, coloca a bola na marca de cal e olha para o gol à sua frente. No meio dos chinelos que demarcam o gol está um goleiro enorme que usa roupa preta e luvas.  O menino não se impressiona com ele. Vai para a bola, bate forte e é gol. Segue-se o ruído da torcida vibrando nas arquibancadas, o abraço dos jogadores e o apito final que dá a vitória e o campeonato ao time da janela.

Mas, não há tempo para erguer a taça. A mãe vem ralhar com o menino e, em um minuto, ele está sentado diante do prato de comida, transpirando muito, mas feliz pela vitória do time da janela do seu quarto sobre o da porta da cozinha cujo técnico é ela, a mãe dele.

Escrito por Ayrton Marcondes

4 setembro, 2010 às 11:19 am

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