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Caixão não tem gaveta

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O cara falava muito. Quando veio se sentar ao meu lado não pude imaginar que, nas duas horas seguintes - tempo de viagem – ouviria um verdadeiro rosário de histórias. De fato, o cara, um porto-alegrense muito alegre, emendava uma história na outra, contando suas peripécias enquanto a serviço de uma empresa em países da América do Sul.

Ele vinha da Bolívia, mais precisamente de Cochabamba. Ao que parece fora essa a primeira viagem dele à cidade de onde, aliás, retornou entusiasmado. Em primeiro lugar, dizia ele, o nosso dinheiro – o 1 real – vale 4 bolivianos. Isso torna tudo, absolutamente tudo, muito barato para os brasileiros que visitam a Bolívia. Assim, comida e todos os gêneros de produtos podem ser comprados por preços baixos. Para isso, aliás, contribui a existência de um enorme camelódromo em Cochabamba, em cujas barracas podem ser encontradas toda sorte de produtos, inclusive eletrônicos.  Mas, que não se pense que os bolivianos não trabalham: povo trabalhador, povo muito trabalhador o boliviano, acentuou o gaúcho.

Perguntei sobre a cocaína. Ele disse que o governo de Evo Morales combate ferozmente o consumo de tóxicos no país. Depois riu alto e comentou:

- Cocaína só para exportação, dentro do país não.

Tanto que, disse ele, é muito comum em Cochabamba passeatas e protestos, muitos deles contra o consumo de drogas. A cidade tem muitas universidades e os estudantes são muito ativos e engajados. O maior problema é a corrupção porque para tudo existe uma taxa. No trânsito, por exemplo, qualquer infração pode ser resolvida escorregando nas mãos dos guardas uma nota de cinquenta bolivianos.

Não faço a menor ideia se essas informações sobre Cochabamba são exatas ou não. Relato o episódio porque o gaúcho insistiu muito para que eu visitasse a cidade. A certa altura perguntei se, com preços tão convidativos, ele fizera muitas compras. A resposta foi interessante:

- Olhe, sou um consumista convicto. Parto sempre de uma premissa: caixão de defunto não tem gaveta para guardar dinheiro. Então o jeito é aproveitar, nada de absurdo e que ponha a família em risco.

Chegamos ao nosso destino e nos despedimos. Provavelmente nunca mais encontrarei esse cidadão que professa teoria diferente sobre o modo de viver e, segundo diz, a aplica tenazmente. Não deixo de admirá-lo porque sua linha radical de consumo não é para qualquer um, mesmo para pessoas que têm muito dinheiro. Não se pode negar que o gaúcho sabe viver. Entretanto, fico pensando se ele realmente faz o que me disse ou se, para matar tempo, inventou tudo aquilo, falando a um desconhecido algo apenas por falar.

Escrito por Ayrton Marcondes

15 novembro, 2010 às 12:46 am

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