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Fisiologia dos escândalos no Brasil

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No país dos escândalos mais um não faz grande diferença, acostumados que estamos com as soluções “à brasileira”.

Vá lá, a descoberta das tramóias é sempre impactante. Personagens importantes estão envolvidas, existem gravações sobre os atos ilícitos e a imprensa deita e rola apontando os corruptos. Páginas inteiras são preenchidas com resultados de investigações, aparecem personagens menores como secretárias e motoristas que de repente atraem a atenção e são chamados a depor nas CPIs do Congresso. A Polícia Federal se agita, o Ministério Público sai a campo até que, finalmente, o processo entra na fase de andamento lento.

É assim que o escândalo vai sendo esquecido, tendo a seu favor uma variável sempre presente: a meio caminho outro escândalo é descoberto e ganha notoriedade, abafando o anterior. Então recomeça o ciclo, novas personagens importantes aparecem, gravações são exibidas, a imprensa denuncia, secretárias e motoristas depõem e todo o aparato policial e jurídico entra em ação.

Se for correto o princípio que define como normal aquilo que é mais frequente, então corremos o risco de normalizar a corrupção e os escândalos dela decorrentes. Se você não concorda pense um pouco sobre a rotina de escândalos no Brasil e as personagens que estão por detrás dela, alguns deles reincidentes e muito hábeis em manobras corporativas que até mesmo os preservam em seus cargos. Veja-se lá o caso Sarney. O ex-presidente da República passou, neste ano de 2009, pelo pior inferno astral da sua carreira. A vida dele foi devassada, podres estouraram para todo lado e quase todo mundo apontou o dedo exigindo a sua renúncia ao cargo que atualmente ocupa à frente do Congresso. E deu exatamente no quê?

A diferença que existe entre pessoas como eu e você e um homem como José Sarney é que ele conhece profundamente as regras do jogo. Sarney enfrenta a tempestade com um sorriso maroto nos lábios, como aquele jogador que usa cartas marcadas e não perde nunca. Além disso, mais que ninguém ele é perito nessa matéria chamada “fisiologia dos escândalos no Brasil”, daí utilizar muito bem a rotina dos desvios de atenção, do novo escândalo que abafa o anterior.

Do mesmo modo o mensalão vai perdendo a sua força, tanto que o antes notório Marcos Valério hoje está reduzido a poucas e diminutas citações na mídia que, há não muito tempo, não parava de falar dele.

E eis que temos um novo escândalo em andamento, desta vez sendo citado até mesmo o governador de Brasília, Sr José Roberto Arruda.  Para quem não se lembra, Arruda é o mesmo homem que, em 2001, foi acusado de violar o painel de eletrônico de votação do Senado e acabou renunciando ao cargo por esse motivo.

Está circulando na internet um vídeo estarrecedor no qual Arruda recebe um pacote de dinheiro das mãos de um interlocutor. Não fica claro ao que o vídeo se refere, supondo-se que seja de 2006, ocasião em que Arruda era candidato ao governo do Distrito Federal. Segundo o advogado do governador trata-se de um pacote de dinheiro destinado à compra de panetones para pessoas carentes. Normalíssimo, portanto.

O governador do Distrito Federal está sendo acusado de corrupção. A Polícia Federal realizou uma operação para averiguar um esquema de propina que envolve diretamente a pessoa do governador e alguns de seus acessores. A imprensa já noticia amplamente o escândalo. Existem gravações. Personagens importantes estão envolvidas. O Ministério Público entra em ação. Em pouco correrão os processos, tudo de acordo com o figurino esperado.

Desta vez vai dar em alguma coisa além de uma ou outra cassação de mandatos?

A política de hoje

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Sinceramente não invejo os colunistas diários de jornais cujo assunto é a política brasileira. Gente… Os caras são obrigados a uma atividade cansativa que, imagino, não dê a eles nenhum prazer. Vejam-se lá as idas e vindas de opiniões, as afirmações seguidas de negativas peremptórias, os disfarces e conchavos, a falsidade dos discursos, a corrupção, as traições ideológicas e, principalmente, o habitual descaso pelo bem público solapado por interesses menores.

Estamos assistindo nesse momento à agitação que precede as candidaturas que concorrerão à presidência da República no próximo ano.  Meu Deus haja estômago! De um lado o presidente da República com sua mal disfarçada campanha em prol de sua candidata, levando a várias partes do país uma caravana ufanista, creditando-se realizações pessoais nunca antes alcançadas por nenhum homem público “deste país”. De outro, o tucanato indeciso que não sabe bem o que dizer ao povo para desmontar o espetáculo propiciado pelos homens do governo.

Os jornais são férteis em comentários que buscam desmascarar o presidente, apontando seus exageros e frases infelizes. Também não perdoam a oposição que, com justiça, querem mais atuantes. Mas a maior parte do povo não lê jornais e nem mesmo se interessa pelo noticiário político da televisão. No Brasil de hoje a política está desacreditada justamente pelo comportamento de grande parte dos homens públicos do país. Veja-se o caso da desobediência do Congresso Nacional a uma determinação do Supremo Tribunal Federal. Quem tem razão? Em qual instituição podemos confiar?

À margem dos homens o Brasil cresce, seguindo a sua vocação de ser grande.  Às vezes penso no Brasil em termos de prosopopéia, transferindo a ele sentimentos e voz. Pois, pudesse o Brasil falar, que diria? Que dores choraria ele pelas matas devastadas, animais em extinção, alta criminalidade, falcatruas a céu aberto, mentiras proclamadas, riqueza e miséria contrastantes? Que alegrias externaria em função de suas belezas e progressos?

Diz a letra de uma música que o Brasil não conhece o Brasil. Conhece sim. Decorridos mais de 500 anos desde o descobrimento, o país deixou de ser adolescente e assume ares de maioridade. Ele tem consciência de sua imensidão, pensa grande e abre o jogo dando a conhecer riquezas até então escondidas. De repente, não mais que de repente, o grande país impressiona com fabulosas reservas energéticas bem próximas de sua orla marítima. De repente, não mais de que de repente, ele sente pairar sobre o seu território a atmosfera de autossuficiência. E assim vai.

É preciso discutir se o Brasil está crescendo pela ação dos homens ou apesar deles. Obviamente o assunto é controverso e de difícil conclusão. Mas acredito que seja um dos pontos de partida quando o que está em jogo é o destino de milhões de pessoas.

É aí que entram os colunistas que tratam da política, os sociólogos, os cientistas políticos e toda gente que tem espaço para opinar sobre os destinos do país. Diante de um governo que canta vitórias e uma oposição até agora ineficiente cabe aos analistas um estudo mais profundo e ordenado da situação. E não importa a impressão de que as suas palavras possam ser inúteis e nada venham a resolver: é preciso buscar caminhos e apontá-los.

O Brasil agradece.

A negativa da ministra-chefe

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O depoimento da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff como testemunha no processo movido pelo Ministério Público contra 39 réus no caso do mensalão constitui-se numa peça e tanto pela natureza do seu conteúdo.

A ministra-chefe negou a existência do esquema do mensalão, dizendo ser impossível que partidos políticos exigissem “vantagem financeira”; afirmou que ex-ministro da Casa Civil e deputado cassado José Dirceu (PT-SP) é um “injustiçado”; negou conhecer o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, tido como o “operador” do esquema do mensalão; elogiou deputado Paulo Rocha (PT-PA), que renunciou ao mandato para se livrar de condenação na época do escândalo do mensalão; e defendeu o ex-deputado Professor Luisinho (PT-SP), que não se reelegeu depois da denúncia do mensalão. São informações publicadas pela imprensa.

E agora? O que nos resta para pensar? Senhora ministra-chefe, a senhora que é pré-candidata à presidência da República, considere, por favor, a situação em que ficamos todos nós, os eleitores que votarão em 2010. Afinal, em quem devemos acreditar? No depoimento que a senhora fez sobre o mensalão aí Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sede provisória da presidência da República, em Brasília? Ou em tudo o que aconteceu naquele terrível espaço de tempo durante o qual a República teve aberto o seu ventre para a exposição de acusações terríveis que tanto nos chocaram?

Eis aí uma situação que se enquadra à perfeição dentro de um sistema binário do tipo aconteceu/não aconteceu, verdade/mentira etc. Num sistema desse tipo está-se no território que os matemáticos chamam de eventos mutuamente exclusivos, nos quais a ocorrência de um significa a não ocorrência do outro. Enfim: se existiu ou não o mensalão, e ponto final.

Dirão que não é tão simples, o evento em questão é muito complexo, etc. Mas numa coisa devemos insistir: detalhes à parte, nós precisamos saber se afinal houve ou não o mensalão porque o que está em jogo é a confiança que temos nas instituições, nos políticos, nos candidatos que se apresentarão às próximas eleições e, por que não, na imprensa.

O povo brasileiro é calmo e ordeiro, gosta de festa, adora foguetório e quase sempre esquece muito depressa tudo o que acontece, especialmente aquilo que o incomoda. Mas a história do mensalão, essa aí ainda não foi possível esquecer. Afinal, a imensa massa de brasileiros que trabalha e paga taxas muito altas de impostos foi, durante um bom tempo, bombardeada, dia e noite, por um noticiário que incriminava muita gente, envolvendo grandes somas de dinheiro público. Na época houve até gente que, para se livrar de perder o mandato, renunciou e saiu pela porta dos fundos do Congresso, esperando que a fraca memória popular os esquecesse até que pudessem voltar aos seus postos.

Então era tudo mentira? Fomos enganados por alguma campanha maléfica engendrada pela mídia? Ou a própria mídia foi enganada por gente muito esperta e usada para espalhar mentiras que abalaram o país?

Senhora ministra-chefe, eu jamais escreveria isso se o assunto não me incomodasse tanto. Entretanto, como tantas outras pessoas, eu me vejo entre duas versões irreconciliáveis sobre um mesmo fato. Espero, sinceramente, que esse assunto venha a ser esclarecido antes das eleições do ano que vem para que eu possa votar com muita consciência.

Sabe, é um voto só, um votinho. Mas é o meu.