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Um sujeito teimoso

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Contam que quando ele nasceu já veio à luz de mal com o mundo. Eu que o conheci bem garanto que nunca vi ninguém como ele. Baixinho, robusto sem ser gordo, medíocre ciente da própria mediocridade, agia em conformidade com o seu perfil. Desde sempre foi entrave a tudo, desses que discordam pelo simples exercício de discordar, não interessando a ele ter ou não razão. Agindo assim, ganhou fama de teimoso, aliás, de modo algum imerecida: teimava por profissão, opunha-se a tudo, nisso a essência dele de ser.

Mas não era, não, mau sujeito. Bom conversador, até educado, pertencia ao time dos que não têm time, ou seja, dos que atuam por instinto próprio, jamais coletivo.

Chamava-se Manoel e, a bem dizer, era um cara do contra. Quando se queria alguma coisa dele o melhor era mostrar-se contrário ao que se pretendia, jeito eficaz de fazê-lo executar algo às vezes urgente. Exemplifico: a mãe do Manoel tinha um cinema pequeno, coisa bem simples dotada de velha máquina de projeção e bancos de madeira para assento dos espectadores. Era um cineminha muito pobre e desconjuntado no qual se exibiam películas aos sábados e domingos, em todo caso única diversão de um lugarejo de chão de terra. Nesse cinema acontecia quase sempre do celulóide dos filmes se arrebentar, sendo necessário colá-lo para continuar com a projeção.

Era aí, na ruptura do celulóide, que entrava a figura do Manoel porque só ele sabia como resolver o problema, ligando as partes separadas para fazer a alegria do público que, acostumado a isso, pacientemente aguardava pelo reinício do filme. Pois o que todo mundo sabia é que não se podia pedir ao Manoel que resolvesse o problema. Ao contrário, o que a mãe do baixinho fazia era esperar bem uns dez minutos para, então, falar com ele dizendo que fora bom a fita romper-se, já estava cansada mesmo, o público que fosse embora etc. Então, o Manoel, que era do contra, ia lá e consertava tudo, só para contrariar a mãe. Por essa via fazia-se a alegria dos espectadores que recebiam a graça de poder assistir ao filme inteiro.

Esse Manoel teimoso viveu até a semana passada quando, já muito velho, partiu desta para a melhor. Eu soube da morte dele dias depois e não pude deixar de me lembrar dos meus tempos de menino naquele cinema de fim de mundo, onde assisti aos seriados do Flash Gordon e a muitos filmes em preto-e-branco. Voltaram-me imagens de noites geladas nas quais, às 7h30, um alto-falante repetia tristemente os acordes de uma música orquestrada, aviso inconfundível de que às 8h seria iniciada a sessão do cinema.

Eu pensava nisso, distraído, e ia de pés descalços para o cinema quando vi o Manoel na esquina da casa dele, fumando um cigarro. Ao vê-lo me perguntei se naquela noite, caso o celulóide arrebentasse, ele iria lá para juntar as partes, dando-nos a alegria de ver o filme até o fim. Depois eu me perdi dessas imagens e deixei de ser menino para estar aqui escrevendo sobre o Manoel, ele que morreu e deixou como legado histórias de celulóides partidos, ele que talvez, mesmo morto, tenha se estranhado com o caixão porque essa era a natureza dele, nascido que foi na forja do contra, daí que nada impediria de continuar fiel a si mesmo na hora de sua última despedida.

As amigas

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São duas mulheres, uma loira, outra morena, ambas próximas dos 50 anos. Saem juntas, uma faz companhia à outra. Realizadas, trabalham em lugares diferentes, mas se encontram com muita frequência.

malaNada há de errado com essas duas mulheres alegres sempre dispostas a puxar conversa e dividir experiências. Falam um pouco sobre tudo, vez por outra deixam transparecer algo sobre si mesmas, mas, discretas, nada perguntam sobre a vida de seus interlocutores.

É assim que saem pelo mundo, viajando juntas, fazendo amizades ocasionais que não passam de conversas passageiras sem qualquer ato posterior.

O que impressiona nas duas mulheres é a felicidade que demonstram, embora acompanhada de uma pitada de artificialidade resultante, talvez, de assuntos mal resolvidos no passado. Mas é preciso conversar bastante para se detectar leves falhas no discurso delas, falhas que, de repente, expõem o outro lado da alegria.

Foi assim quando conversamos com elas. Houve um instante em que a loira falou sobre o seu celular dizendo que o desligara durante a viagem, livrara-se dele. Ah, sim, antes fizera um telefonema aos seus pais avisando que chegara bem do vôo, mas, depois disso, não mais se comunicara com ninguém. E acrescentou:

- Ah, sim, eu sempre fui muito certinha sabe? Agora a minha filha está morando em outro estado e estou me soltando mais.

É só quando ela diz isso que reparamos nas roupas mais transadas que ela usa, vestimentas que já não combinam tanto com ela. Mas tudo fica bem, segue com está, a conversa continua até que nos despedimos e eu digo à loira as cortesias de sempre finalizadas com a frase “um bom passeio para a senhora”. Ao que ela me olha inquieta e pede que, por favor, não a chame de senhora, mas a essa altura já nos afastamos, talvez nunca mais vejamos essas duas mulheres, elas que são tão alegres e viajam juntas.

Escrito por Ayrton Marcondes

12 julho, 2010 às 10:05 am

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Coisas de casal

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Na fila de embarque os dois discutem. São educados, falam baixo, mas não o suficiente para quequem está muito perto deixe de ouvir. Ele lembra o Ronnie Von, ela se parece com ela mesma. Os dois trafegam por volta de 50 anos de idade e são casados há não se sabe quantos.

A viagem terá a óbvia missão de reaproximá-los. Tarefa difícil para quem se inteira do problema que os separa. Vamos ouvir o Ronnie Von:

- É absurdo! Acredite: isso é obra de hacker. Como pode você receber um email meu com um texto assinado por mulher que se diz minha amante?

A mulher que se parece com ela mesma:

- Eu entendi muito bem.

O Ronnie:

- Veja bem, analise o texto. Não é o meu estilo. Não foi escrito por mim e isso é óbvio porque eu não iria me incriminar caso tivesse uma amante, que aliás nunca tive.

Ela:

- Para mim faz muito sentido. Tal é a intimidade entre vocês dois que ela tem acesso ao seu notebook.

O Ronnie:

- Pra começar só eu tenho a senha do meu email. Nada é automático no meu notebook. Ninguém mexe nele. Você que é minha mulher não sabe a senha, quem então saberá?

A mulher que parece com ela mesma:

-Ela, a sua amante. Escute: homem é trouxa. Apaixona-se e abre tudo para aquela que abre pra ele. Você caiu nessa, quefazer?

A fila anda, os dois continuam no bate-boca. Elegantes, falam baixinho sobre um problema sem solução. Na hora do embarque eu os vejo sentados, um defronte o outro. As expressões faciais são duras, a dela mais resoluta que a dele.

Eu os vejo embarcando e penso que, afinal, talvez tenham sido os hackers que inventaram as mulheres.

O dia dos namorados e a Copa

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Provavelmente não exista situação mais esclarecedora das diferenças entre os gostos de homens e mulheres que o período de realização da Copa do Mundo. Ninguém é louco de dizer que mulheres não gostam de futebol, mas o interesse da maioria delas está longe do dos homens. Quem discorda que acompanhe a rotina nas casas brasileiras neste fim de semana em que se realizam vários jogos pela Copa do Mundo. Agora olhem para a lente da verdade e respondam: quem são os loucos que acordaram cedo, num sábado muito frio, para assistir ao terrível embate entre as seleções da Coréia do Sul e a da Grécia?

Pois é. Mas, para dar força à argumentação, pelo amor de Deus imaginem que hoje, dia dos namorados, o Brasil tivesse um jogo contra a Argentina, pela Copa do Mundo, justamente às 21h30. Como ficaria a situação dos casais, o movimento dos restaurantes, as baladas, os encontros marcados e tudo o mais? Já pensaram em quantas relações desfeitas poderia resultar um joguinho desses, bem nesta noite, contra os hermanos?

Há quem discorde, há quem discorde. Existe a turma do deixa disso para quem o brasileiro é um tipo inventivo e ajeitaria as coisas. Mas um joguinho desses, Brasil X Argentina, justamente na noite do dia dos namorados, convenhamos que fica difícil, muito difícil.

Por essas e outras devemos muito comemorar esta noite do dia dos namorados. Rapazes, vocês estão livres de qualquer pressão, não serão obrigados a fingir que o jogo é secundário, que em nenhuma hipótese vocês dividiriam a atenção para com as pessoas amadas, ainda mais por uma besteira como um jogo de futebol. Nem precisarão estar em algum lugar com elas, olhando para todo lado atrás de uma telinha com a transmissão do jogo. Portanto, comemorem porque o mundo é bom, a justiça existe e cada coisa tem a sua hora e está em seu lugar.

E não se esqueçam de amanhã de manhã, exatamente às 8h30, de perguntar a elas - caso estejam acordadas - se não querem ficar aos seus lados assistindo ao grande jogo entre a Argélia e a Eslovênia.

Perguntem. Será uma grande demonstração de amor se elas toparem.

Escrito por Ayrton Marcondes

12 junho, 2010 às 8:57 pm

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Passamento

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O gordo da esquina morreu. D. Diva, que vem de manhã e prepara o meu café, disse que foi de repente:

- Ontem mesmo ele estava bonzinho, na janela, com o olho dele, de sapo.

A vida é assim, assim - disse eu para D. Diva, deixando pra lá o que mais ela falou sobre o gordo. Esse gordo – o da esquina que morreu – foi meu colega no grupo escolar. Os olhos de sapo ele sempre teve, empapuçados, como se tivessem sido untados com óleos encorpados e pouco fluídos. Daí que era só ele aparecer para a molecada gritar:

- Sapo, sapo, sapoooo.

O sapo abaixava a cabeça e sorria. Meninas se afastavam dele, jurando que ele comia insetos. Uma tal Mariinha – nunca me esqueci dela – dizia que o sapo tinha preferência por vagalumes. Ainda hoje acho que a Mariinha ficou impressionada com aquela poesia do João Ribeiro cujo título é “O vagalume e o sapo”.  A poesia constava da cartilha que usávamos na escola. É dessas que tem o moral da história porque, no final, um “feio sapo repelente, sai do córrego lodoso, cospe e baba de repente, sobre o inseto luminoso”. Ao que o vagalume pergunta:

- Porque me vens maltratar?

- Porque estás sempre a brilhar – responde o sapo.

Foi assim que aprendemos porque o brilho pessoal incomoda tanta gente…

Mas, deixa prá lá. O tempo passou, o gordo cresceu, eu também. Saí da minha terra natal e me aventurei pelo mundo, dando-me mal e bem, mais bem que mal. Até que um dia, cansado de tertúlias inúteis e explicações insatisfatórias sobre o sentido da vida, li que os elefantes voltam ao lugar onde nasceram para morrer. Na falta de outra justificativa essa me pareceu muito razoável para vender um pequeno negócio, juntar uns dinheirinhos e voltar para a minha terra, esperando não sei bem o quê.

Foi nessa ocasião, há uns pares de anos, que vim morar nesta casa, na mesma rua que o gordo. Tempos depois da minha chegada estranhei que o gordo ficasse, sempre no fim da tarde, na janela da casa dele, observando a rua. Com ele nunca troquei mais que um aceno de cabeça: eu passando, ele na janela.

Mais uma vez foi D. Diva quem matou minha curiosidade sobre os hábitos, digamos pouco usuais, do gordo. Contou-me a fofoqueira que há alguns anos o gordo se casara com a mulher de seus sonhos, sabe quem? Acreditem: justamente a Mariinha. Se foram felizes juntos , ou não, ninguém sabe, mas é certo que pelo menos o gordo era feliz. O casamento durou até que a Mariinha desapareceu. Os esforços do marido para localizá-la resultaram inúteis até que se soube, por meio de um parente, que ela fugira com um sargento de polícia.

A notícia chegou ao gordo que, a partir desse dia, nunca mais saiu à rua, reduzindo seu contato com o mundo aos breves períodos na janela, pouco antes do anoitecer.

Devo dizer que a morte do gordo me entristece e alegra. O aparente paradoxo se explica: entristece porque afinal é um ex-colega, o sapo, que partiu desta para a melhor; alegra porque ele finalmente livrou-se de sua prisão voluntária, utilizando a única saída que lhe era possível.

É lugar-comum dizer que a morte é uma fazedora de vazios. Mas que outra coisa dizer se é bem isso o que acontece? O fato é que há dois dias não saio de casa: não sei como vou me sentir ao passar pela esquina e ter certeza de que o gordo não mais sairá à janela.

Lá se foi o gordo. Enquanto isso, o elefante que vive na mesma rua aguarda a sua vez.

Por fim, resta citar Drummond:

- A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

Escrito por Ayrton Marcondes

9 junho, 2010 às 10:59 am

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Embriaguez de jovens

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Nos últimos tempos tem-se acentuado os comentários sobre a embriaguez de jovens. Informe publicado pelo Cebrid (Centro de Informações sobre Drogas da Unifesp - Universidade Federal de São Paulo), publicado hoje pela “Folha de São Paulo”, revela que um em cada três estudantes do ensino médio se embriagou pelo menos uma vez no mês anterior à realização da pesquisa. O problema também existe entre estudantes do ensino fundamental, porém em menor intensidade. O levantamento foi realizado em escolas particulares da cidade de São Paulo.

alcoolQuem milita na área da educação sabe que o problema do consumo de álcool – eventualmente de drogas – é mais que preocupante, sugerindo estar em fase crescente. De fato, qualquer reunião serve como motivo para bebedeiras. Não se pode dizer que tudo seja feito de modo consciente. É possível relatar casos e casos de jovens que nunca beberam e se embriagam de repente, muitas vezes perdendo a consciência de si mesmos. As consequências variam de simples mal-estar ao coma alcoólico, isso quando estados de semiconsciência não servem a abusos sexuais com repercussões quase sempre dramáticas.

Por que os jovens bebem? Há que se considerar o fato de que, num primeiro momento, o álcool age como estimulante, disso resultando a falta de autocrítica e mesmo comportamentos violentos. Mas, a resposta não é simples e envolve aspectos como condições familiares e sociais, auto-afirmação, necessidade de aceitação em grupo, fuga da realidade, busca de prazeres fáceis, mergulho no desconhecido, insatisfação, liberação do superego etc. Deixando de lado o terreno das hipóteses sobre as causas da embriaguez, vale lembrar que os jovens desde sempre beberam e bastante. Olhar para os jovens de hoje e pretender represá-los numa comporta de novidade quanto à embriaguez é negar um passado com o qual os pais e avós da atual geração têm suas cotas de débito. Bebemos durante o ensino médio, muito durante o curso superior, lembram-se? As festinhas, os churrascos da faculdade, os finais de jogos de futebol…

Então, qual é o problema? Você está a dizer que sempre foi assim daí que a bebedeira da turma de hoje não preocupa? Ora, nada disso. Em primeiro lugar o mundo tem mudado depressa demais, os anseios e sonhos das novas gerações são outros e mais difíceis de serem alcançados, a impessoalidade tornou-se maior, a sociedade atingiu complexidade tal que desconvida à participação pessoal, as relações familiares esgarçaram-se muito, os exemplos que vêm de cima são péssimos, campeia a violência, o número de veículos e acidentes nas ruas e estradas é realmente fantástico e assim por diante.  Nessas condições, a soma de todos os medos e a necessidade de fuga de uma realidade desagradável pode servir como motor ao consumo precoce e exagerado de álcool.  Além disso, existe a agravante da freqüência de consumo dadas as características das relações sociais entre os jovens de hoje: mais próximos uns dos outros, permanentemente interligados via internet, comunitários etc.  Se a isso somarmos o constante apelo  publicitário ao consumo de álcool verificado nos meios de comunicação teremos aberta, à nossa frente, a via expressa que conduz ao alcoolismo crônico.

Os dados da pesquisa realizada pelo Cebrid sugerem a necessidade de trabalho eficiente junto aos jovens, alertando-os quanto aos perigos do alcoolismo. Apoio e acompanhamento familiar, campanhas publicitárias, palestras em escolas, cumprimento da proibição de venda de bebidas alcoólicas a menores e um sem número de atitudes fazem-se necessárias. É preciso conscientizar a juventude de que as baladas não precisam necessariamente ser acompanhadas de tentativas de despersonalização, que o prazer pode ser também ser alcançado com comedimento.

É o que se quer e precisa ser feito.

Os visitantes

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Entram em minha casa os visitantes,

Convidados inesperados.

Chegam sorridentes, alegres,

Não me enganam: não são do meu planeta, são extraterrestres.

Ficarão até altas horas,

Deglutirão salgadinhos,

Sempre sorrindo a felicidade espacial que os trouxe,

Falando assuntos da Bolsa de Valores.

Depois partirão,

Tornarão à nave que os trouxe ao meu pequeno mundo,

 Invadido, mas não conquistado.

Quando se forem abrirei a janela e

vigiarei o céu, procurando-os entre as poeiras cósmicas.

Mas, será inútil: jamais conseguirei identificá-los.

Escrito por Ayrton Marcondes

3 junho, 2010 às 7:59 am

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Mundo cão

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Na Indonésia crianças fumam. E daí, qual a novidade? Bem, são crianças de 2 anos de idade e um pouco maiores.

Vi pela TV um baixinho indonésio fumando, tragando etc. Mais parecia um adulto, tipo mafioso, vangloriando-se com o cigarro na mão. Idade: 2 anos. Ao lado dele o pai e o restante da família, orgulhosos e informando que o tampinha fuma quase dois maços por dia. Perguntado sobre os males do fumo o pai garantiu que cigarro não faz mala saúde.

Mas, não ficou por aí. Outras crianças pequenas foram mostradas, todas com o cigarrinho aceso e engolindo fumaça.

Da Indonésia para uma região de Portugal onde crianças maiores que os indonésios também fumam. Entrevistado, um menino de cerca de 9 anos de idade garantiu fumar dois maços por dia. Ao que o repórter perguntou:

- Você fuma 40 cigarros por dia?

- Não, fumo 48.

- 48? - perguntou o repórter.

- Sim, porque o maço tem 24.

Esse é o tipo do assunto que torna desnecessário qualquer comentário. Daí que câmbio, desligo.

Escrito por Ayrton Marcondes

31 maio, 2010 às 10:57 am

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Coisas inúteis

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Não adianta: espaço em casa serve para acumular coisas desnecessárias, quase sempre inúteis. Tralhas e tralhas são juntadas com a desculpa de que um dia voltarão a servir. Isso quando não há o envolvimento de um amor cego por um objeto completamente descartável – ocorre muito em relação a roupas fora de moda.

inutilidadesTambém acontece de coisas se acumularem devido à preguiça que temos de nos livrar delas. Para mim o maior trauma relaciona-se com o papel. Muita gente não se dá conta, mas é absolutamente incrível a intromissão do papel em nossas vidas. Nem falo do acúmulo de jornais e revistas dos quais nos descartamos, exceto aquelas páginas arrancadas por conterem assuntos que talvez um dia venham a ser úteis. É assim que se formam pilhas e gavetas ficam lotadas. Isso dura até que se torna obrigatória a eliminação de parte desse material. A esse ponto entra-se na fase de enorme preguiça de mexer com aquilo tudo até que um dia boa parte acaba indo para o lixo por saturação, falta de espaço e de paciência, sei lá. Obviamente, sem conferência do que se está jogando fora.

Não pretendo me alongar muito sobre esse assunto, mas não posso deixar de lado o caso dos eletrônicos. Meus amigos e amigas, ainda que fiquemos restritos só aos últimos anos, vocês já se deram conta da quantidade de aparelhos e artefatos eletrônicos que perderam a função e não servem para mais nada? Lembra-se daquele bom radinho que você ganhou de presente há alguns anos? Pois ele não tem CD player, não toca MP3 e o som é mais que inaceitável. Esse velho companheiro foi substituído aí na sua casa por algum aparelhamento muito superior, sugerido por um desses livrinhos de ofertas de produtos enviados pelo correio. Na verdade os tais livrinhos são uma verdadeira desgraça porque existe o crédito e tudo parece muito barato já que dividem o valor da compra em dez vezes sem juros. Vai daí que o radinho está lá encostado para nunca mais ser ligado na tomada…

E que dizer da parafernália utilizada em computação? Meu Deus, isso é demais. Em pouco tempo os computadores que tínhamos não servem mais porque não são capazes de rodar os novos sistemas operacionais. Os processadores são lentos demais e o jeito foi comprar máquinas novas de modo que as antigas, ainda funcionando, não servem. E não nos esqueçamos dos monitores. Que coisa, hem? Aquele maravilhoso monitor de tubo, 17 polegadas, pelo qual você pagou tão caro, foi substituído por um de tela plana, LCD, que não ocupa espaço e tem imagem muito melhor. O velho monitor talvez ainda esteja aí na sua casa, sob a desculpa de que, se o outro pifar, você não ficará na mão.

E as televisões? Não dá para terminar sem falar delas. Aquela maravilhosa TV de tubo, 36 polegadas, artigo de primeira, simplesmente foi para o espaço. De repente o mercado foi inundado pelas TVs de plasma e LCD, enormes, com entrada HDMI e direito a FULL HD. De modo que a antiga, a velha e boa TV de tubo, ainda funcionando muito bem, está aí num canto à espera que você se decida a doá-la porque ninguém mais compra uma dessas usada.

Não vou falar sobre roupas, máquinas fotográficas, filmadoras, picapes para reprodução de long-plays, panelas, ferros elétricos e outros produtos substituídos por artigos mais modernos e eficientes. O meu tema é a lentidão com que nos desfazemos daquilo que já não usamos porque, assim parece, ou fazem parte da família ou temos pena de jogar fora.

Se você estiver numa situação como essa, se não for avarento e só por pena não conseguir se desfazer de coisas agora inúteis, apele para a sabedoria popular. Existe uma espécie de ditado que diz que quando nos livramos de algo que já não nos serve, abrimos espaço para a chegada de coisas novas Segundo se diz isso funciona não só com objetos, mas até com o nosso modo de ser e o direcionamento das nossas vidas. Ainda que você não acredite nisso é uma boa fingir que acredita porque poderá se livrar de muita coisa, sem culpa. Faça uma grande faxina, despache aquilo que já não interessa, quem sabe até o amor perdido que teima em não sair do seu coração. Faça isso: de repente coisas novas virão, talvez até um novo amor.

A vida é boa por isso, também porque podemos inventar e até fingir que acreditamos em possibilidades que de repente, misteriosamente, se realizam.

Homem se fosse bom…

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Conversa animada numa barraca de feira. Os rapazes das hortaliças caçoam com uma moça, também funcionária, por ela não ter namorado. Ao que ela responde, dizendo que não precisa de homem.

O papo furado chega ao âmbito das freguesas que passam a defender as mulheres e criticar os homens. No meio das queixas de costume uma das freguesas proclama a máxima:

- Homem, se fosse bom, era mulher.

Ao que as outras concordam, exceto uma que afirma:

- Podem falar o que quiserem, mas mulher não vive sem… Eu não posso reclamar. Só não tenho o meu porque ele mudou de plano, está lá em cima. Fui casada 26 anos com um homem maravilhoso e estaria com ele se estivesse vivo.

Todo mundo se cala por um instante até que uma das freguesas comenta:

- Não se nega que algumas de nós podem ter sorte.

A conversa para por aí. Leio nos jornais que os brasileiros(as) gostam da instituição casamento, preferem relações duradouras. Não me lembro dos números, mas dados estatísticos recentes revelam grande crescimento de matrimônios no país. Embora várias conjeturas possam ser feitas a respeito do fato não se pode olvidar que o ser humano é um animal gregário e, mais que isso, num mundo convulso como o atual, o medo da solidão talvez seja determinante nada desprezível.

Há quem diga que muita gente se casa só pelo receio de ficar sozinha. Conheço mulheres por volta de 30 anos de idade que se dizem na fase do vai ou racha. O mesmo acontece com rapazes de faixa etária semelhante, embora eles pareçam ter mais mobilidade que as moças nesse assunto. Existe quem defenda a teoria de que o mar não está pra peixe daí não ser momento para escolher muito: a busca do príncipe (princesa) encantado(a) pode se tornar interminável. Por fim, existem os celibatários e as muitas mulheres emancipadas para as quais o homem não passa de acessório muito útil.

O assunto é interminável porque, como bem finalizou uma senhora na conversa da feira, felicidade não se compra no mercado. No fim a felicidade é o que todos procuram. De um jeito, ou de outro.

Ah, chovia e os preços dos produtos vendidos na feira estão subindo.