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Lembranças

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Há as boas. E as ruins. Lembrança ruim quase sempre é forte, chega a se sobrepor a boas recordações. Da Paris dos anos 90 ficou-me um segurança me acompanhando durante todo o tempo em que estive dentro de uma grande loja. Eu e minha mulher talvez figurássemos como algum tipo de meliantes prontos para roubar tudo. De Sidney restou o oficial da imigração que, ao identificar-nos como brasileiros, disse em bom inglês ao colega de trabalho: monkeys.

No mais nenhuma reclamação. Paris sempre fantástica, muito além de seus vinhos e queijos. Andanças inesquecíveis em museus e catedrais. Noites regadas aos bons vinhos dos franceses. Sem esquecer os Picassos, Rodins… e a torre Eiffel, porque não? E Sidney, hein? A beleza da chegada pelo mar vindo de Manley, a Opera House à esquerda, os barcos ancorados, os prédios ao fundo, tanta beleza. Então por que persistem as lembranças ruins, hiatos curtíssimos em meio a tantas coisas tão gratas que em nada empalaram estadias tão felizes?

Talvez porque sejamos humanos e suscetíveis ao que nos desagrada e marca, situações que nos constrangem porque ligadas à nossa origem e nacionalidade. O homem da imigração australiana na verdade nem nos viu.  Recebeu os passaportes com indiferença e, para ele, o que pesou foi a origem dos viajantes: Brasil. Leu o nome do país e emitiu seu comentário como se fora juiz de povos e nacionalidades. Certamente, não fazia ele ideia de nosso país, de sua grandeza, de um povo que sobrevive a altos e baixos, mas tem orgulho de sua terra. Quando ao segurança de loja, tratava-se um sujeito simplão que, ao ver faces diferentes daquelas a que se habituara, decidiu-se a agir tão zelosamente.

Não sei se acontece a todo mundo, mas há uma idade em que nossos pecados começam a pesar mais. Lembramo-nos com frequência dos deslizes a que estão sujeitas todas as pessoas, só que os nossos tornam-se de repente tão grandes. Aquele prefeito da cidade de São Paulo a quem pedi uma garrafa de vinho quando em sua casa, hoje me causa vergonha pelo fora de propósito do ato. Mas, na época, não fora tão natural pedir ao dono da casa um pouco mais de vinho?

Sabemos que as memórias são gravadas em circuitos formados por neurônios interligados. A cada vez que nos recordamos de algo esses circuitos são ativados e se tornam mais fortes as lembranças. Imagino que ainda descobrirão haver nesses circuitos características hoje desconhecidas. Não me surpreenderia se descobrissem que circuitos de lembranças ruins são mais resistentes, daí as memórias por eles armazenadas se tornarem mais duradouras. Quem sabe não seria essa a explicação para tantas coisas que gostaríamos de esquecer, mas que nos retornam com frequência, roubando-nos tranquilidade e sono.

Escrito por Ayrton Marcondes

19 maio, 2016 às 2:29 pm

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