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Nuances do discurso

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Nem sempre nos damos conta, mas vivemos num mundo de falas repetitivas. É incomum que ouçamos algo fora dos padrões, algo que nos surpreenda de fato. Observe-se, por exemplo, o discurso político. Terá alguém do ramo nos surpreendido com algo em que não pensáramos?

Tem-se falado muito sobre religião e ateísmo.  Ateus de carteirinha reclamam que, em situações agudas, mesmo eles imploram a Deus. Mas, com a ressalva: pronunciam o nome do Senhor, nada esperando. Questão cultural, de hábito.

Um conhecido comentarista de televisão, ateu, falou sobre o chamamento de Deus em momentos difíceis. Relatou que dias atrás perdeu um membro muito querido da família. Na vigília do hospital os parentes oravam, pediam a clemência de Deus. Ele, ateu, também, mas com a ressalva de não acreditar, absolutamente, na eficácia de seu pedido.

No mesmo programa de televisão um padre foi questionado sobre críticas à religião. Sua resposta foi muito interessante. A certa altura disse que os que atacam a religião, entre outras críticas, falam sobre o absurdo de ser vedado o casamento aos padres. Em relação a isso ponderou não entender o sentido dessa crítica. Segundo o padre o problema de não poder se casar pertence a só ele (o padre). Ele fez a escolha e nunca se sentiu cerceado em sua liberdade por isso. Quisesse se casar não teria sido padre. Daí não entender porque os críticos avançam sobre questão que a eles não pertence.

Eis no raciocínio do padre algo incomum, diferente das falas cotidianas. Trata-se de arrazoado no qual, pelo menos eu, não havia pensado.

O filósofo e escritor romeno Emil Cioran discorre sobre o fato de que é a necessidade de se acreditar em algo que nos faz apelar para a religião. Diz Cioran:

“Mesmo quando se afasta da religião, o homem permanece submetido a ela; esgotando-se  em forjar simulacros de deuses, adota-os depois febrilmente: sua necessidade de ficção, de mitologia, triunfa sobre a evidência do ridículo.”

O discurso do padre a quem ouvi pela televisão impressiona porque foge ao padrão repetitivo das coisas que diariamente ouvimos.  Seria estimulante se pudéssemos ser acossados por modos de expressar que nos colocassem a pensar.  O continente de ideias é infinito, mas a mesmice da repetição muito cansativa.

Escrito por Ayrton Marcondes

8 janeiro, 2018 às 9:30 am

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