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Cérebro Multitarefa

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Neurocientistas estudam o problema da atenção destacando que ela pode ser muito comprometida num mundo multitarefas. Na mira dos cientistas esquecimentos, desatenções, esgotamento etc.

O que me incomoda é essa história de multitarefas. Sabe aquele computador novo que dizem ter um processador mais eficiente, capaz de realizar várias tarefas ao mesmo tempo sem perda de eficiência e velocidade de processamento? Pois é bem assim que me sinto, cobrado em produtividade, quando leio uma reportagem sobre déficits de atenção provocados por excesso de atividades.

Vá lá que hoje em dia as nossas pobres cabeças são submetidas a situações tão variadas que podem confundir. Basta, por exemplo, você acordar de manhã e, antes de sair, ligar o computador para checar os e-mails enquanto na TV são exibidas as notícias do dia. É quando o telefone toca para lembrá-lo de que está atrasado para uma reunião, isso sem falar no seu filho que está de pé ao seu lado, esperando para dizer alguma coisa muito importante sobre a vida dele na escola. Depois de tudo você nem chega a tomar café direito e já está no trânsito, olhando para a telinha do GPS em busca de rotas alternativas.

Você está dirigindo, mas o pensamento está longe, provavelmente dentro da sua pasta de couro onde você colocou várias contas a pagar e documentos que precisam ser entregues no banco onde você tem conta. O dia inteiro promete ser nesse pique, mas é sempre assim, não? Por que seria diferente?

Pronto, você é um cara multitarefa, não tem jeito, essa é a imposição do mundo em que vive, da sua era. Para se distrair você pode pensar que poderia ser pior: se a sua era fosse a mesma em que os dinossauros andavam por aí, não haveria tantos compromissos exceto o de fugir sempre para não ser devorado por algum predador. Você pensa nisso e constata que está esgotado porque só alguém muito cansado se põe a imaginar como seria trocar a vida atual por uma incursão na era mesozóica, em pleno período jurássico dos grandes répteis.

A vida é um problema cheio de variantes e escolhas que exigem muita atenção. O problema é que, no nosso caso, não dá para trocar o processador, fazer um upgrade tornando-nos capazes não só de armazenar mais dados como de processá-los adequadamente. Nascemos com um processador feito de neurônios, vasos sanguíneos e outros tecidos. Esse processador tem limites, se o forçarmos além do que é capaz simplesmente espana. O máximo que podemos fazer por ele é ativá-lo ao máximo para que funcione melhor e possamos dar conta do recado que nos é diariamente imposto.

Conheço uma senhora que tem agora 92 anos. Foi lúcida até meses atrás quando o processador dela passou a dar sinais de estar pifando. De lá para cá ela confunde seres reais com imaginários, vivos com mortos e assim por diante. Fatos passados são trazidos por ela ao presente como se tivessem acabado de acontecer. A realidade e a ficção misturam-se na cabeça dela, eu diria até que docemente. O mais interessante é que no atual estágio ela pode conviver com quem quiser, mesmo com aqueles que morreram há muito tempo e que, de repente, são autorizados a fazer parte da conversa como se estivessem presentes.

Quem a vê tem pena, principalmente lembrando-se dela lúcida e ativa, condição à qual parece que ela não vai retornar. Não sei não. Creio que a pena só existe porque estamos aferrados ao mundo e à ordem das coisas. O discurso interrompido nos incomoda porque não faz parte do código a que estamos acostumados.  Se perguntarmos a um médico ele nos dirá que o processador da nonagenária já deu o que tinha que dar, que a arteriosclerose danificou a irrigação sanguínea do cérebro e coisas assim. É bem possível, na verdade muito certo. Entretanto, quando vejo essa mulher não posso parar de pensar que talvez ela tenha mesmo é conseguido algum upgrade, adquirindo um processador mais potente, mais esperto, que permite a ela fugir da realidade da sua velhice e deixar os problemas e o sofrimento de lado para vagar em outra dimensão, melhor e mais fecunda que aquela da vida apressada e tantas vezes sem sentido que diariamente experimentamos.