Buenos Aires at Blog Ayrton Marcondes

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Es lo que hay

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Há um tremendo quebra-pau na Argentina em torno da lei para o casamento gay. A presidente Cristina Kishner apóia o casamento gay e convocou ma manifestação popular, no Obelisco, em favor da aprovação; a igreja, representada pelos bispos, protesta contra uma lei que considera não natural e contra os preceitos religiosos. Do outro lado, os favoráveis à lei comparam a ação dos bispos à Inquisição. No meio da tarde saiu a notícia de que o parlamento não deixou passar a lei que já tinha a aprovação do governo.

Mas, o grande assunto é Maradona. Grondona, o todo poderoso presidente da AFA (Associação de Futebol Argentino), deixou nas mãos de Maradona a decisão de afastar-se ou não do cargo de técnico da seleção. A voz pública condena Maradona: pesquisas mostram que a maior parte dos argentinos quer o “Pibe” fora da seleção. Não perdoam ao técnico a desorganização do time que contava com excelentes jogadores, mas foi arrasado pela Alemanha. Há quem diga que muitas pessoas, entre elas Grondona, fizeram Maradona acreditar que é “Deus” e o “Pibe” age como tal.

O fato é que, exceto pelos programas esportivos e notícias em jornais, pouco se fala em futebol em Buenos Aires. Os motoristas de táxi, sempre muito conversadores, falam sobre tudo menos futebol. Os mais politizados falam sobre a onda de frio que atingiu Buenos Aires e a falta de abrigo para os pobres que enfrentam temperaturas muito baixas em plena rua. E comparam a situação dos pobres com os militares que “até campo de golfe têm”.

No mais o tango corre solto nos locais visitados por turistas e nota-se, nos argentinos, certo gosto amargo em relação ao país de que tanto se orgulham. A Argentina vai deixando de ser a de antes embora a bela Buenos Aires resista bravamente e continue encantando aos que a visitam.

Tango

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tangoQuase dez da noite de domingo e não se encontram táxis nas ruas de Buenos Aires porque o Boca está jogando e os condutores estão em casa vendo o jogo pela televisão. Para todo lado o que se ouve é Boca, Boca, Booocaaa. Os argentinos são apaixonados por futebol tanto quanto os brasileiros. O principal jornal esportivo, o “Olé”, ainda não perdeu a mania de dar pauladas nos brasileiros embora - fazendo justiça a eles - reconheçam a força e o valor dos adversários. Há na Argentina o respeito pela arte, daí que os grandes jogadores são considerados independentemente das suas nacionalidades.

Na porta do Café Tortoni, o mais antigo da cidade, está a fila de sempre, com pessoas esperando a vez para entrar. O Tortoni é um espaço emblemático frequentado no passado por Carlos Gardel, Luigi Pirandello, Federico García Lorca e Artur Rubinstein entre outros artistas, Os que vêm para o espetáculo de tango não precisam entrar na fila, basta apresentar o ingresso comprado com antecedência para que um rapaz os acompanhe até a sala Alfonsina Storni.

São pouco mais de dez da noite quando o maestro Jorge Rattoni entra no palco com o seu quarteto e abre a noite com um tango de Gardel. A coreografia do espetáculo difere de outros shows de tango mais estilizados e com a participação de vários dançarinos. Aqui a trupe se reduz a um casal que, de vez em quando, vem ao palco para dançar enquanto o quarteto executa um de seus números.

A temperatura musical esquenta depressa com a sucessão de tangos conhecidos, executados em estilo puro e original. Rattoni esmera-se ao piano impondo o ritmo que é seguido pelos instrumentistas do bandoneon, do baixo e do violino. Depois de três números do quarteto, finalmente aparece o “cantante”, com sua poderosa voz interpretando músicas como “Por uma cabeza”.

O grande momento do espetáculo é reservado para a execução de “Adiós Nonino” de Astor Piazzola. É quando o bandoneón cresce em sua execução trazendo ao público imagens ligadas à perda do pai que levou  Piazzola a compor a música. Ao final de “Adiós Nonino” o público aplaude longamente e Rattoni agradece em nome do grupo.

O show dura pouco mais de uma hora. Quando termina fica a sensação de que deveria continuar, ainda que só um pouco mais.

No fim, Rattoni está perto do balcão, junto à entrada da sala Alfonsina. É um homem de estatura média, cabelos e barba muito brancos, que transpira bondade. Aproximo-me dele e pergunto sobre a sua formação clássica. Ele me diz que de fato a sua formação é clássica, mas que derivou para o tango, sua paixão. Falamos sobre música e ele me diz que gosta muito da brasileira. Pergunto a ele se toca em outros lugares. Ele sorri dizendo que há treze anos apresenta-se exclusivamente na sala Alfonsina do Café Tortoni. Gosta de sala pequena, intimista e rica em histórias ligadas ao tango.

A conversa termina quando um homem traz um CD para Rattoni autografar. Despedimo-nos com um abraço e sinto que levarei um pouco de tango na mala de viagem em meu retorno ao Brasil.

Findo o espetáculo, encontro a Avenida de Mayo praticamente vazia. Na porta do Tortoni há táxis esperando por fregueses. O jogo da Boca terminou e os táxis voltaram às ruas. O mundo parece normal quando passo perto do Obelisco, lembrando-me da execução de “La Cumparsita” e de meus pais dançando na sala de nossa antiga casa, eles que amavam tanto o tango, tão bonitos dançando, dançando eternamente.

Uruguai X Argentina

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Cinco da tarde. Onde eu gostaria de estar agora? Ora, Montevidéu, naturalmente. Acontece que o clima que precede os grandes jogos é mágico, feito para ser vivido e bem aproveitado. Dá para sentir daqui o desespero da torcida argentina invadindo o Uruguai; do mesmo modo não é impossível respirar-se o ar de necessidade de vitória que rola entre os uruguaios.

Futebol tem disso: consegue catalisar a emoção de um povo inteiro, estabelecendo entre as pessoas um laço de unidade que nenhuma outra manifestação logra realizar. Estão, pois, os uruguaios em pé de guerra, atrás de uma classificação que, preferencialmente, desclassifique a Argentina.

Imagino o clima de agora nas ruas de Montevidéu; imagino milhares de pessoas que já se deslocam para o velho estádio Centenário, palco de tantas glórias do pequeno país do Sul; e imagino Buenos Aires, tão cosmopolita, com o orgulho de sua seleção nacional abalado pelos péssimos resultados que têm conseguido.

Quem vai ganhar? Guerra é guerra, não adianta especular. Se tivesse que apostar num bolão, não saberia que placar colocar. Mas não preciso mentir que a minha preferência pende para o lado do Uruguai. Aliás, creio que não só a minha, mas a de todo mundo por aqui de vez que, no futebol, a Argentina é a nossa maior rival.

Também não adianta mentir sobre o fato de que se a Argentina não for classificada para a próxima Copa do Mundo haverá muita alegria entre os brasileiros. E comemorações.

A hora do grande e decisivo jogo se aproxima. Que vença o melhor? Ah, sim, desde que seja a equipe que veste a camisa da Celeste Olímpica.

Buenos Aires

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Buenos Aires continua a ser a boa e velha cidade de sempre com seus prédios antigos e imponentes à européia. Há, sim, uma mudança significativa que só é percebida por aqueles que a frequentam há muitos anos: como outras capitais da América do Sul, Buenos Aires perdeu boa parte do seu glamour em seu embate com a pobreza. Já não circula pelas ruas tão famosas como a Florida, a Tucuman e a Corrientes o povo orgulhoso que as percorria no passado. Sucessivas crises políticas e econômicas quebraram o orgulho argentino, por vezes considerado excessivo pelos povos vizinhos.

Entretanto, a combatividade e politização permanecem inalteradas na Argentina. Há no modo de ser do povo uma fibra incomum que se traduz na agressividade das críticas. Os jornais são mais incisivos e combativos. Pregados em bancas de jornal e outros lugares existem cartazes acusadores que dão nome aos bois chamando esse ou aquele político de bufão, patoteiro e mentiroso. O argentino médio posiciona-se criticamente em relação ao que acontece no país. Os motoristas de táxi têm opinião formada sobre a situação local e adoram conversar com brasileiros para trocar figurinhas sobre coisas dos dois países.

A política argentina é dominada pelos figurões de sempre ligados a antigos movimentos que arrrastam multidões como o peronismo. Isso parece conferir aos políticos representantes de velhas facções um público cativo que os elege. Talvez por isso o país sobreviva, politicamente, dentro de linhas de ação difíceis de mudar ainda mais porque pressionadas por crises econômicas que resultam na pobreza atualmente muito evidente nas ruas.

Num país onde o culto à pessoa é uma tradição – vide Perón e Evita – a mulher que preside o país recebe toda a atenção. Cristina – é assim que os argentinos a chamam – está nas manchetes dos jornais com o seu nome em letras garrafais. É Cristina isso, Cristina aquilo, Cristina que está cuidando mais da aparência para remoçar, Cristina que só vai à Casa Rosada de helicóptero e assim por diante. Discorda-se de Cristina, fala-se e corrupção do governo, mas existe em relação à presidente algo maior que o simples respeito, talvez um pouco da tradição de culto a personalidades importantes.

Dos orgulhos argentinos um inabalável é Borges. O escritor está em toda parte como referência de cultura, expressão do povo. Continua a ser lido e estudado como demonstram os inúmeros livros sobre ele e sua obra, encontrados nas livrarias.

Por falar em livrarias, Buenos Aires continua imbatível nesse setor fazendo inveja a outras capitais, mesmo São Paulo. Há toda uma tradição no modo de ser das livrarias argentinas que resistem bravamente às crises econômicas. O diferencial da língua falada ser o espanhol abre enorme perspectiva de publicações, daí serem encontradas obras publicadas não só na Argentina como na Espanha e demais países latino-americanos. Contam, portanto, os argentinos com um largo espectro cultural que pode ser observado em coisas simples como jornais diários que trazem notícias de seu país ao lado de outras da Espanha e demais países de língua espanhola. Como sempre é indispensável a quem vai a Buenos Aires uma passada pela livraria El Ateneo Grand Splendid, na Rua Santa Fé. Localizada em um antigo teatro a El Ateneo é de rara beleza além de ser uma das maiores livrarias do mundo.

Para o turista Buenos Aires continua a ser uma festa. Ao lado de atrações culturais, shows de tango e a boa comida dos maravilhosos restaurantes de Puerto Madero o visitante encontra de tudo  o que fazer não só em Buenos Aires como em seu arredores. Uma visita à cidade de Tigre, próxima a Buenos Aires, com direito a passeio de barco entre as ilhas do delta do Rio Paraná é uma grande pedida.

Do que se fala pouco no momento é sobre futebol. Loucos por esse esporte os argentinos não se conformam com o baixo rendimento da sua seleção. As críticas ao técnico Maradona são muitas, inclusive por ele estar, no momento, descansando num SPA, na Espanha, enquanto o país corre o risco não participar da Copado Mundo.

A seleção nacional argentina vai mal porque se formaram dois grupos de jogadores que não se falam.

- É tudo por dinheiro, só jogam por dinheiro – diz o balconista de uma loja acrescentando que o que importa mesmo é o desempenho no campeonato argentino do Racing, o clube do seu coração.