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Briga de galos

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Eu tinha um parente - morreu há mais de 20 anosv- que era louco por briga de galos. Tinha ele, no quintal de sua casa – viveiros habitados por galos ferozes. Para alcançar o status de feroz um galo passava por muitas provações. Em primeiro lugar vinha a raça, sendo algumas mais briguentas e agressivas nas rinhas. Também contava – e muito – a hereditariedade: tal frango em formação era filho de um grande vencedor das rinhas, resultado de cruzamento tal etc. Por último valia-se muito o galista das tais escorvas – não sei se é bem esse o termo – que consistiam em lutas de treinamento, obviamente com os bicos dos contendores protegidos. Como no boxe, não se expunha a fera a lesões em treinos que só visavam aumentar a agressividade delas.

Quem nunca viu ou lidou com galos de briga não tem ideia dos preparativos que cercam uma luta. As rações especiais são importantes, assim como massagens para enrijecer os músculos. Treinamento e mais treinamento para no fim chegar-se ao grande dia em que a fera entra na rinha para delírio dos viciados que apostam muito dinheiro entre si.

Falo sobre esse assunto com algum conhecimento de causa. Como disse, o meu parente era fanático pelo “esporte”. A mim aconteceu certo dia receber dele, de presente, um franguinho, descendente de uma linhagem de bons galos de briga. Coube-me treinar esse franguinho até ele se transformar no galo preparado para as rinhas. A bem da verdade eu não sabia bem para o que estava preparando a minha fera: na época eu era um rapazote e jamais assistira a uma verdadeira briga de galos ou frequentara rinhas.

Um dia, finalmente, o meu pupilo foi dado como pronto e o meu parente levou-me para assistir àquela que seria a estreia dele no mundo das rinhas. Naquele ambiente hostil encontrei vários galistas, cada um trazendo um ou mais galos, combinando as lutas mais ou menos em acordo com o tamanho dos galos. Para fechar negócio – e apostas – a técnica consistia em aproximar um galo do outro, modo de avaliar a agressividade da dupla. No fim, ficou acertado que o meu galo participaria da segunda luta. Até aí eu, meninão, estava achando tudo muito interessante e orgulhoso do animal que eu treinara para ser um vencedor.

A primeira luta - ou briga - foi um fracasso. Um dos galos “afinou” e recebeu os maiores impropérios da massa de torcedores acotovelada em torno da rinha. Muita gente perdeu dinheiro com a desistência daquele pobre ser. Mas, as coisas andaram rápidas e eis que já era o meu galo a entrar na rinha. Até aí eu estava confiante e, sinceramente, não atinava com o que viria em seguida. Antes da luta começar só me preocupei um pouco ao ouvir de um dos apostadores que o adversário do meu galo era um experiente matador das rinhas. Aliás, o homem disse alto e bom tom:

- Esse galinho vermelho não vai aguentar nem o começo.

O galinho vermelho era o meu. Então a briga começou e lá veio aquele matador com ares de vitória para cima do meu galinho. Logo de cara ele feriu o galinho com sua espora afiada, arrancando muito sangue dele. Creio que só aí, ao ver o sangue, eu compreendi a extensão da tragédia que se anunciava. Não vou entrar em detalhes sobre o horror que se seguiu, a formidável reação do galinho que praticamente destruiu a crista do seu oponente, os gritos de selvageria e as apostas que se renovavam, os meus apelos ao meu parente para que acabasse com aquilo porque, afinal, eu amava o meu galinho.

Não cheguei a ver o fim da luta. Não resisti àquela sessão de animalidade dos torcedores e crueldade para com os animais. Só depois soube que o galinho morrera após receber uma fortíssima bicada no meio da cabeça.

Desde esse dia passei a odiar as brigas de galo, felizmente proibidas pelo governo. Não me cabe traçar o perfil psicológico das pessoas que se deliciam e têm reações orgásticas ao assistirem ao brutal embate entre dois animais colocados frente a frente para satisfazer os baixos instintos de torcedores e apostadores. Infelizmente, muita gente gosta de brigas entre galos, aliás, pessoas conhecidas e importantes estão envolvidas com esse “esporte”.

Nunca me esqueci do galinho vermelho que morreu bravamente, sem se entregar ao famigerado matador. Embora na época eu não avaliasse bem a extensão do que aconteceria - a ele e ao seu contendor – ainda assim me sinto culpado por ele não ter vivido como os seus iguais. Anos depois eu disse isso ao meu parente.  Ele sorriu, olhou-me de cima para baixo e disse:

- Você não é culpado de nada. Na raça do seu galinho vermelho a luta é instintiva: é o que eles sabem fazer de melhor. É como entre os homens: existem os de paz e os talhados para a guerra. Temperamentos assim, violentos, só se consumam na luta e, se a felicidade existe, a deles só pode ser encontrada numa arena ou em situações de perigo.