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Livro: O Crime do Restaurante Chinês

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São grandes as contribuições do Prof. Boris Fausto ao estudo da História do Brasil. Ao longo dos anos tem ele assinado obras de vulto que, além de seu valor intrínseco, revelam-se de grande utilidade a estudantes e pesquisadores em geral.

A mais recente publicação do Prof. Boris Fausto é o livro “O Crime do Restaurante Chinês” –Ed. Companhia das Letras, 2009 - cujo tema é o assassinato, a pauladas, de quatro pessoas – um chinês dono de restaurante, sua mulher e dois de seus empregados. O crime aconteceu na madrugada da quarta-feira de cinzas de 1938.

É de se imaginar a repercussão e o interesse despertado na população da cidade de São Paulo de então por crime tão bárbaro que, a princípio, não se sabia praticado por um ou mais criminosos. Supondo-se que fosse apenas um, desconheciam-se os móveis do assassino e não se fazia a menor idéia de sua identidade.

É dentro desse universo que se move o Prof. Boris Fausto, estendendo os tentáculos de sua pesquisa às notícias publicadas em jornais, relatórios policiais e sucessos ocorridos no Tribunal do Júri.

O livro é precedido por uma “Breve Explicação” na qual o Autor avisa-nos que seu trabalho é uma forma de fazer história denominada “micro-história” cujos misteres são: a redução da escala de observação do historiador permitindo apreciações que lhe escapam nas análises de grandes quadros; ouvir a voz de pessoas comuns; de fatos tidos como corriqueiros extrair dimensão sociocultural relevante; apelar para o recurso da narrativa; e situar-se no terreno da história apoiando-se nas fontes, delimitando-se, assim, claramente a obra ficcional.

É munido de tais premissas, fornecidas pelo Autor, que o leitor passa à Introdução na qual se narra o crime e seus desdobramentos. As circunstâncias do crime, o tom de dúvida quanto à sua autoria, a descrição factual e principalmente a forma de narrar nos conduz, inevitavelmente, à pergunta: está-se no terreno da história ou no de uma obra ficcional baseada em fato real?

A dúvida é pertinente. Desde logo se percebe que o Autor aventurou-se em solo movediço que sepulta, indiscriminadamente, fatos reais e fatos narrados ficcionalmente. Historiador por ofício socorre-se o Autor com farta documentação que só a pesquisa acurada logra fornecer. É assim que nos é dado acompanhar o carnaval de 1938, corso e fantasias, e a Copa do Mundo acontecida no mesmo ano. O Autor não nos apresenta esses fatos gratuitamente dado que funcionam como peças de enredo maior com o qual se relacionam. São os homens de uma cidade que já não existe, o seu modo de ser e agir que nos são devolvidos em flashes nos quais o passado nos ajuda a compreender o presente.

Há muito de romance histórico neste livro de história. Vez por outra, ao longo dos capítulos sente-se que embora o historiador que nos fala não tenha como objeto o passado – o qual apenas interroga – delicia-se com ele. Algo de memorialismo perpassa a narrativa gerando fecunda contradição entre história e obra ficcional. Aliás, fala a favor dessa última o ambiente narrativo indubitavelmente calcado nos cânones da literatura policial: o historiador cede, não sem luta, ao fio condutor do suspense levando-nos até o final em busca de solução para o caso.

É, pois, o livro, talvez a despeito das intenções de seu Autor, obra híbrida que se lê com prazer, daquelas que não se larga antes da página final porque, a todo custo, quer-se um corolário para a narrativa. Também nesse sentido o Prof. Boris Fausto não nos decepciona. O último capítulo reserva-nos relato pungente e confessional. Restitui-nos um menino com seus sonhos e impressões os quais conferem sentido maior ao conteúdo que acabamos de ler.  É aí que se apagam o historiador e o professor; surge o homem que fez uso das ferramentas da história para narrar, quase ao jeito de memorialista, os sucessos de mundo desfeito ao qual um dia pertenceu.

Essas breves considerações não pretendem abordar a riqueza temática apresentada pela obra na qual, como ilustra-nos o Autor, figuram o racismo, o funcionamento do aparelho policial e judiciário etc; intencionam elas apenas destacar o historiador com domínio completo de sua ciência no momento em que se reserva o prazer de utilizar a sua arte para contar uma boa história.

Escrito por Ayrton Marcondes

7 junho, 2009 às 11:14 am

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