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Chernobyl

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Assisti à minissérie “Chernobyl”. Desde já recomendo assisti-la a pessoas que tem estômago forte. Em tempos de confinamento não é lá muito agradável entrar em contato com as cenas terríveis decorrentes da explosão de um reator na usina nuclear russa. Mas, isso não quer dizer que não valha a pena assistir. Ao contrário, trata-se de minissérie que recebeu elogios de críticos, ganhou prêmios e despertou a atenção de pública.

Como não poderia deixar de ser a minissérie não consegue ser exatamente fiel aos acontecimentos do grande acidente nuclear. Ela começa com o depoimento do cientista Valery Legasov (Jared Harris), um dos envolvidos na contenção do desastre, que se suicida logo após deixar as fitas que gravara num lugar seguro. No depoimento de Legasov ele atribui grande responsabilidade a Anatoly Dyatlov (Paul Ritter) que era o encarregado de Chernobyl no momento da explosão durante um teste de segurança. Na minissérie Dyatlov é mostrado como um chefe teimoso, arrogante, que insiste em não acreditar na explosão do reator daí colocar em risco seus subordinados. Na vida real Dyatlov sempre negou a responsabilidade pelo acidente, foi julgado e condenado a prisão. Entretanto, pessoas que trabalharam com ele na usina nuclear o caracterizam como um sujeito duro, porém competente.

Uma das cenas mais marcantes do primeiro capítulo é a que mostra pessoas que moravam nas imediações de Chernobyl, acordadas na madrugada do incêndio, acorrerem a uma ponte de onde podiam observar as chamas. Ali estavam famílias enfeitiçadas pelo esplendor de chamas coloridas. De repente, chegam a elas cinzas trazidas pelos ventos, poeira radioativa. A cena é bela. Estima-se que essas pessoas morreram mais tarde em consequência da contaminação.

Mas, a minissérie não é só isso. Nem se trata de spoiler o que se disse acima por que são fatos conhecidos e se resumem aos primeiros minutos do primeiro capítulo. Servem, contudo, à reflexão nesses dias em que o Covid-19 avança no país, roubando vidas.

Dirão nada haver entre um acidente nuclear e uma epidemia viral. Grosso modo não mesmo. Entretanto, atribui-se Chernobyl ao modo de ser na União Soviética naquele ano de 1986. Atribui-se o acidente a uma falha humana uma vez que os operadores do reator descumpriram diversos itens dos protocolos de segurança. O criador da minissérie, Craig Mazin, afirma que a razão de tudo ter acontecido foram as constantes mentiras na União Soviética.

Passados 27 anos as consequências do acidente nuclear de Chernobyl foram e continuam ser terríveis. Dois trabalhadores morreram no instante da explosão e 28 nas semanas seguintes. O iodo radioativo contaminou mais de 200 pessoas. Populações da Rússia, Bielorrussia e Ucrânia ficaram expostas e verificaram-se dezenas de pessoas com câncer. Mais de 200 mil pessoas foram transferidas da região pelo governo soviético. Produtos agrícolas da região pararam de ser consumidos e até hoje não é recomendável seu consumo. Animais apresentam mutações genéticas.

As cenas citadas nas quais a população é atingida por material radioativo nos remetem ao momento atual no qual pessoas indefesas são expostas à contaminação pelo vírus Covid-19. O desencontro de orientações entre as esferas federal e estaduais, os fake news em torno da epidemia, as substituições no cargo de Ministro da Saúde, a resistência em relação à necessidade de confinamento, a pressão pela recuperação da economia, a disparidade de discursos proferidos pelas mais altas patentes do país, o galopante número de contaminações, o crescimento do número de óbitos, tudo isso nos remete àquelas faces felizes sobrea ponte a observar o incêndio de Chernobyl. Elas não sabiam que estavam condenadas.

Durante a reclusão

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Ouço relatos de que as crianças estão nervosas. Trancadas em apartamentos com outros familiares falta a elas espaço e liberdade. Os pais não sabem o que fazer. Também eles confinados, muitos em home office, preocupam-se com a redução de seus rendimentos e a segurança das famílias.

O covid-19 emparedou a humanidade. Trata-se de adversário perigoso que vai fazendo número crescente de mortos mundo afora. Muito se fala sobre esse vírus em torno do qual se debruçam especialistas de grandes centros de pesquisa. A todo transe se buscam vacina e medicamentos que possam debelar o mal. Mas, o progresso é lento. Também surgem aqueles que se aproveitam da ocasião para lançar as tais possibilidades de curas milagrosas.

Seguem no país as divergências entre o presidente e o ministro da saúde que está a um passo de ser demitido. Quando acontecer o terreno estará livre para o decreto de fim do confinamento. A opinião dos especialistas é que tal medida resultará em desastre com agravamento da epidemia.

Nós, simples mortais, olhamos pelas janelas. Se há saudades do mundo em que vivíamos até a pouco, por outro lado a parada obrigatória nos leva a repensar sobre a vida que levamos. Repensar sobre o que somos e o sentido da vida. A rotina diária a que estamos habituados é estafante a ponto de nos esquecermos de nós. Atuamos como peças integrantes de um sistema no qual cabe-nos realizar aquilo que se espera de nós. É o papel condicionado pela sociedade da qual, queiramos ou não, fazemos parte.

Dias trás passei pela orla da praia e vi, de longe, o mar. Ondas pequenas chegavam à areia, trazendo mensagens cifradas. O azul do mar na manhã de sol era extasiante, emprestando força como a dizer que tudo pode ser superado. Mas, havia enorme tristeza naquilo tudo. O acesso ao calçadão e à areia fora bloqueado no sentido de evitar aglomeração e proximidade entre as pessoas. Era uma paisagem linda à qual faltava a presença da vida humana, daí incompleta.

O homem está diante de grande adversidade. Cabem inteligência e método para superá-la.