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A elite cubana

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Se há uma provocação que irrita profundamente pessoas comprometidas com algum tipo de ideologia é aquela do tipo “comunistas não resistem a um bom champanhe francês”. Afirmações dessa ordem, aparentemente banais e inconsequentes, na verdade visam deslustrar convicções e expor falsidades ideológicas.

É fato inegável que partidários de sistemas políticos que pregam igualdade entre seres humanos são generosos em tornar “mais iguais” os membros de cúpulas que chegam ao poder e seus apaniguados. A história é prodiga em casos assim, sendo a Revolução Russa um dos mais chocantes exemplos de como insurgentes se tornam ditadores, chefiando elites restritas que abarcam e dominam com mão férrea todos os setores da administração. Decorrem desse fato o cerceamento de liberdades, perseguições, repressões e mesmo o providencial desaparecimento de críticos do regime, tudo isso em nome de um processo que se divulga visar o bem-estar comum. Trata-se do Estado forte, intervencionista, contrário ao liberalismo. Nesses casos, como em outros, não por acaso pessoas vindas de camadas socialmente inferiorizadas ou excluídas habituam-se rapidamente às mordomias proporcionadas pelo poder. Hábitos como o de consumo de bebidas selecionadas e caras, de charutos feitos das melhores cepas de fumo, viagens constantes em aviões de luxo e outras benesses passam a fazer parte do cotidiano de pessoas antes muito simples a quem a capacidade ou a sorte distinguiu com rara oportunidade. Estabelece-se fina sintonia entre o poder e seus ocupantes, isso para se dizer o mínimo.

O que se quer dizer é que não importando a linha ideológica ou política adotada existe o risco de uma camada dominante gozar melhormente das prerrogativas e possibilidades. Por outro lado é indiscutível que situações dessa natureza chamem mais a atenção em países onde vigoram regimes fechados e onde o capitalismo é visto como um grande mal. O fato é que se espera que nesses países o sacrifício imposto pelos governos à população seja igualmente dividido entre todos sem a concessão de privilégios.

Talvez por isso soe estranha a notícia divulgada pelo The New York Times dando-nos notícia da existência de uma elite que vive muito bem em Cuba. Isso acontece apesar de ser claro que um regime comunista no qual não existem classes não tolera elites sociais e privilégios. De modo que, lembra-nos o Times, as imagens de um povo que utiliza carros velhos e usa roupas desbotadas não corresponde inteiramente à realidade. Nesse sentido o Times nos avisa que existe outra Cuba, a Havana na qual vivem artistas, escritores, modelos, cineastas, enfim membros de “classe social criativa”. Essa turma tem acesso ao Google, iPhones e outras engenhocas, e monta desfiles fashion. Tudo isso foi constatado e documentado em livro pelo fotógrafo Michael Dweck que fez várias viagens à ilha.

A notícia não deixe de causar estranhamento. Dadas as características impostas pelo regime de Fidel Castro ao povo soa estranha a existência de uma ilha de privilegiados dentro da ilha cubana. A notícia do Times termina afirmando que” o livro de Dweck é uma narrativa dessa classe privilegiada e retrata uma curiosa distorção em um grande arco histórico”.