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Acidentes aéreos

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Não com frequência, mas com certa regularidade, os acidentes aéreos continuam acontecendo. Ontem mesmo um avião de fabricação nacional acidentou-se aos pousar na pista, na China, com vítimas fatais e outras em estado grave.

Conheço gente que não entra em avião nem que a vaca tussa. Outros temem os navios. Já ouvi discussões sobre o que seria pior, um avião caindo ou um navio afundando depressa. O fato é que aviões e navios conferem às nossas vidas alguma atemporalidade. Dentro deles experimentamos a sensação de perda de contato com a Terra e, principalmente, de nossa liberdade. Nada mais exemplar que o alto mar ou as grandes alturas para estarmos em situação que nos escapa ao controle e nos faz dependentes das máquinas e homens que as pilotam.

É no vácuo de nossa inação contra ocorrências sobre as quais somos impotentes que se baseia a indústria do cinema para produzir tantos filmes sobre desastres aéreos, sequestros em pleno ar e naufrágios. A técnica consiste em explorar medos latentes dos espectadores que veem a si mesmos nos atores em dificuldades tantas vezes sem remédio. Quem não se lembra das cenas do filme Titanic, aquelas nas quais o navio fica na vertical e as pessoas escorregam em direção aos abismos marinhos? Que pode um homem, a força humana, contra algo terrivelmente maior que escapa totalmente ao seu controle e o faz joguete de uma situação onde a morte é inevitável?

Não sei dizer se chego a ter medo de viagens áreas, mas confesso que elas me preocupam. Recentemente estava num avião e fomos avisados de que enfrentaríamos turbulências. Foi quando uma aeromoça afirmou que turbulências não derrubam aviões. Fiquei mais tranquilo ao ouvir isso, mas será verdade? E quanto às tempestades? Não é que dias atrás um avião caiu porque foi atingido por um raio?

A verdade é que não se pode pensar nisso tudo senão babau viagens. Mas, o que me move a falar sobre esse assunto é a entrevista de uma mãe que perdeu seus dois filhos no grande acidente ocorrido há mais de um ano no aeroporto de Congonhas: ao pousar o avião não conseguiu brecar e chocou-se com um prédio, ocorrendo a morte de todos os passageiros.

Posso dizer que as palavras dessa senhora me colocaram diante da dimensão exata das consequências de acidentes aéreos porque, na verdade, quando eles ocorrem, assiste-se às cenas meio como a algo que nos diz respeito, mas de longe. Fica-se sim constrangido, com pena, mas, ainda que acontecimento muito doloroso, distante.

A mãe que perdeu dois filhos falou sobre uma dor simplesmente inimaginável. Ela descreveu o seu horrível sofrimento ao ver o prédio em chamas, sabendo que os seus filhos queimavam em meio ao enorme desastre.

Não há o que acrescentar a algo assim, exceto rezar para que jamais aconteça com as pessoas a quem amamos. Resta torcer para que sejam tomados cuidados máximos em relação à manutenção de aeronaves e segurança em aeroportos. Isso é o mínimo que se pode fazer num momento em que o tráfego aéreo no país encontra-se em ritmo crescente, com maior número de pessoas fazendo uso de aviões diariamente.

Dentro das caixas-pretas

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O que resta de vida após acidentes aéreos em que todos morrem fica dentro das caixas-pretas. No interior desses artefatos permanecem guardados não só os segredos dos fatores desencadeantes dos acidentes, mas, por vezes, o último alento de vida dos passageiros desaparecidos.

As caixas-pretas são, na verdade, peças de horror, último contato antes do não ser. Isso é o que mostra, por exemplo, a gravação dos instantes finais do acidente que roubou a vida do presidente da Polônia, Lech Kaczynski, ocorrida em 10 de abril deste ano. Ao todo morreram 96 pessoas na tragédia ocorrida na cidade russa de Smolensk.

Pessoas conversando na cabine, alarmes de obstáculos terrestres indicando a necessidade de elevar o vôo para evitar colisão, o ruído de uma asa batendo nas copas de árvores e gritos, muitos gritos antecedendo o silêncio total.

Nenhum filme sobre acidentes aéreos jamais reproduzirá o horror absoluto desses gritos. É como se um punhado de vidas fosse condenado à eternidade de uma gravação na qual vozes subitamente despersonalizadas dialogam com o absurdo até renderem-se a um silêncio definitivo e sem explicação.

As caixas-pretas são lições sobre a fragilidade dos homens e as máquinas que eles inventam. Elas são o que a morte nos devolve numa espécie de vingança contra a confiança que temos na vida. Por vezes as caixas-pretas simplesmente desaparecem, não sendo encontradas, e resta apenas a dor por perdas jamais esclarecidas.

Jamais penso em caixas-pretas quando estou num avião. Prefiro a visão do mundo lá do alto, o céu azul, o sorriso das pessoas que parecem pairar sobre as nuvens. Trata-se da vida que se sobrepõe às fatalidades, ainda que em permanentes desafios.