aceitação da velhice at Blog Ayrton Marcondes

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Há tempos li de um colunista de jornal história acontecida com um amigo dele. Aconteceu ao amigo separar-se da mulher e, pouco tempo depois, realizar um cruzeiro de navio. Para espairecer a cabeça.

No primeiro dia, ao entrar no camarote, ouviu o toque do telefone. Era a Heleninha. Você ouviu bem: a Heleninha. Sabe quem era a Heleninha? Uma delícia, mulheraço. Embarcada no mesmo navio e convidando-o para jantar. Quanta sorte. Sorte não se dá, não se vende, sorte segura-se com as duas mãos, se preciso com os dente.

E lá se foi ele para o restaurante, arrumadíssimo, charmoso, no seu melhor. E logo veio a Heleninha, sorridente, feliz da vida por encontrá-lo. A Heleninha? Um senhora, muito diferente daquela Heleninha. Os anos haviam pesado para ela. Dito isso não serão necessárias descrições. O amigo passou os dias de cruzeiro fugindo dela.

Pois também aconteceu, desta vez a um meu amigo, participar de um encontro com os velhos camaradas dos tempos de faculdade. Tinha ele grande curiosidade em rever uma colega que era o máximo de mulher, tanto que várias vezes fora capa de revistas. Nos anos de faculdade era ela o tesão da turma. Verdade que ela nunca se deu ao desfrute de sair com dos colegas. Admirada por todos, desejada das gentes, não se entregou. De modo que sobre aquela mocinha pairavam as luzes de uma saudade acolhedora e a visão impertinente dos machos sempre sequiosos.

Filosofou-me o amigo que na verdade nós nos enganamos em relação ao tempo que corre. Diariamente nos vemos no espelho, sem que nos demos conta de que outras faces que tivemos foram sendo gradualmente substituídas até chegarmos à atual que queremos jovial, impactante.

Não é assim. Quarenta anos passados representam muito mais que um fragmento da eternidade. De modo que a maravilhosa do passado era agora uma senhora na qual não se viam vestígios de sua beleza anterior. Viera acompanhada de um dos filhos, ele mesmo um rapaz de mais de 30 anos.

O amigo contou-me isso com lágrimas nos olhos. Vê-la o havia conduzido à realidade de que também ele se tornara velho, embora não aceitasse a velhice totalmente.

Tive vontade de rir ao ouvir o relato do meu amigo. Na cabeça dele as duas imagens de uma mesma pessoa não se plasmavam. Brincando, sugeri a ele que ficasse com a imagem antiga, a da moça belíssima. Ele sorriu, amargamente, e disse:

- O diabo é que vi a segunda.