a denúncia premiada at Blog Ayrton Marcondes

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Vida boa

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Duas mulheres conversam num ônibus. Uma delas diz que agora o Brasil vai para frente. A razão? Ora, os ricos estão sendo presos, a lei passou a valer para todos.  A outra mulher apenas sorri.  Mulher simples, arrisca o olhar para fora do ônibus. Não sonha. Apenas parece não acreditar no que a outra diz. Até que suspira e pergunta: mas, você acredita mesmo nisso?

Pois é. Não sei dizer desde quando entrou na moda a tal delação premiada. O sujeito movimenta propinas, enriquece, desvia, rouba e, no fim, se safa contando o que sabe. A fórmula é simples: basta roubar, devolver um pouco e, principalmente, alcaguetar seus parceiros. O jogo dá certo.  Condenados a 20 ou mais anos de prisão saem livres, nem sempre portando na perna uma tornozeleira eletrônica. Nem sempre? Sim, porque nem sempre tornozeleiras estão disponíveis: a empresa que as produz acusa o governo por não as pagar. Crise é crise: não há dinheiro.

Jornalistas escrevem indignados com a vida boa dos delatores. O cara sai rindo da prisão onde pouco ficou. Volta para residências de fino luxo onde dispõe de comes e bebes dos melhores. Aliás, tudo patrocinado pelas negociatas que o enriqueceram. É culpado pelo desvio de milhões. Muita gente sofre nas filas em busca de atendimento de saúde etc. Mas, o crime parece estar longe das consequência que provoca. No Brasil de hoje o grande farsante não guarda memória de seus malfeitos. Descobriu-se a via perfeita que garante a boa vida.

Entretanto, como se descobrir as maracutaias sem que alguns dos safados denunciem outros? É aí que mora a perversidade da situação. O Brasil de hoje está na mão de ladrões de casaca dos quais só se pode livrar perdoando os mais rápidos em denunciar.

As duas mulheres que conversam no ônibus na verdade não existem. Elas nada mais são que ínfimos números na escala de milhões de deserdados aos quais são servidos, em doses crescentes, o prato-feito de uma república falida.

Mas, o melhor é não pensar muito nisso. Afinal, há anos a viver pela frente e nada indica que o modo de ser da ladroagem venha a mudar. Conviver com o descalabro de cada dia é a regra. Acostuma-se.