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De trem ao Rio

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O trem de segunda classe passava à meia-noite na estação. Não sei em que hora saia de São Paulo, mas chegava ao Rio no começo da manhã seguinte. O problema para os passageiros que embarcavam no caminho era a parada na região de Cruzeiro. O trem de segunda classe saia dos trilhos principais, deixando caminho aberto para o luxuoso Trem de Prata (Trem de Aço) que vinha do Rio. A espera oscilava entre duas e três horas. Em plena madrugada o passageiro armava-se de paciência para permanecer no duro assento de madeira, aguardando.

Aliás, o segunda classe era todo ele desconforto. O preço inferior da passagem servia para justificar a falta de qualquer arremedo de coisas relacionadas ao bem-estar. As pessoas sentavam-se em seus lugares, preparadas para a noite de sofrimento. Aos mais velhos reservava-se a certeza de dores nas costas. Aos mais jovens talvez incomodasse um torcicolo.

Fiz essas viagens algumas vezes. De trem para o Rio, fosse o que fosse, era chique. Mas, o sofrimento da noite insone era compensado no momento em que o trem chegava ao seu destino, a Estação de D. Pedro II. Você estava no Rio, cidade realmente maravilhosa na qual a violência nem de longe era comparável à dos dias atuais.

Não longe da estação estava a Cinelândia que não sei se hoje mantém sinais do que era nos anos sessenta do século passado. Ali se localizavam teatros, bares, boates, restaurantes etc. A Cinelândia fervia à noite com suas luzes e encantos. A mim não importava muito o fato de mal ter no bolso o dinheiro para a passagem de volta. Era “estar” ali. Circular pelo grande agito daquela cidade maravilhosa da qual, habitualmente, recebíamos notícias pelas ondas de rádio. O Rio do carnaval, da folia que nunca terminava. O Rio do samba, das mulatas, das vedetes, da malandragem, da política, do Cristo Redentor, do Pão de Açúcar, da Rádio nacional, do Correio da Manhã etc. O Rio, pô. O Rio mágico tal como se apresentava aos olhos de um adolescente vindo do interior.

As minhas aventuras nas plagas cariocas duravam no máximo três dias. Duas noites mal dormidas nos bancos da Estação D. Pedro II eram demais mesmo para um rapazote. Então eis que o santo trem de segunda classe me devolveria ao interior de São Paulo, onde vivia. Num desses retornos passei mais de 24 horas dentro do trem, parado na serra. Um acidente resultara no bloqueio da linha. Mas, no fundo, tudo era festa.

Ao longo dos anos retornei algumas vezes ao Rio. Mas, a cidade sempre linda, pareceu-me ter perdido pelo menos parte do antigo encanto. Hoje em dia o Trem de Aço e o de segunda classe não mais correm nos trilhos entre São Paulo e o Rio, o que é uma pena. Havia muito de aventura naquelas travessias entre os dois estados que se ligavam por locomotivas e vagões.