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O barbeiro português

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Hoje é domingo e deu-me na telha contar a história - ou a desdita – de um barbeiro/cabeleireiro português.  

Quando o conheci São Paulo era São Paulo. Ou melhor: o centro era o centro, os homens usavam ternos e as mulheres tailleurs. Havia a Exposição na Praça do Patriarca e a Rua São Bento era chique com suas lojas elegantes. Mais para baixo, atravessando o Viaduto do Chá em direção à Barão de Itapetininga, ficavam o Mappin e as galerias, hoje tão depreciadas. Ah, a rua Barão, a Sete de Abril, o Largo do Paissandu, velha, velhíssima São Paulo.

O barbeiro era filho de portugueses, gente do interior de Portugal que atravessara os mares para tentar a sorte no Novo Mundo. Ele nasceu no Rio de Janeiro e foi batizado com o nome de português, Manuel, Joaquim ou outro nome que você quiser dar a ele – aliás, desde já considere-se convidado para apadrinhá-lo.

Os pais do futuro barbeiro retornaram a Portugal e com eles o filho pequeno que viveu no país além mar até os 17 anos de idade, ocasião em que decidiu vir para o Brasil. Consta que morou nas redondezas do Largo do Machado e trabalhou num salão ao lado do palácio do Catete. Ainda moço foi chamado em palácio para fazer o cabelo do então presidente Juscelino Kubistcheck que tornou-se seu cliente até mudar-se, com todo o governo, para Brasília.

Um dia o barbeiro português veio passar um fim-de-semana em São Paulo. Quis a sorte que nessa ocasião conhecesse a portuguesa que seria sua mulher e com a qual teria filhos.

Radicando-se em São Paulo o barbeiro participou de alguns negócios, embora continuasse sempre em sua profissão. Não chegou a fazer fortuna, mas amealhou bens com a participação da mulher cujo espírito empreendedor sempre destacou.

Envelheceram assim até que a prolongada doença da mulher os separou. Viúvo, filhos criados, entendeu o barbeiro acertar as coisas passando em cartório suas posses aos filhos. Houve quem o aconselhasse a pensar melhor, esperar um pouco, mas era a sua intenção e assim foi feito.

Tristeza e solidão na cidade grande encaminham qualquer um para encontros fortuitos que podem se prolongar em relações duradouras. Aconteceu ao barbeiro, cerca de um ano após a morte da esposa, conhecer uma mulher, pouco mais nova que ele. A relação entre os dois despertou a ira dos filhos que, como é comum nesses casos, passaram a acusá-lo de tê-la como amante mesmo antes da morte da mãe.

Aborrecido, o barbeiro largou tudo e foi morar no interior. A namorada não vive com ele, vez ou outra se encontram. Está ele agora, mais de 70 anos e idade, começando de novo o seu negócio num pequeno salão onde se cortam cabelos a preços populares. Quanto aos filhos, não procuram pelo pai.

O barbeiro português me odiaria se soubesse que escrevi sobre ele. Para a minha felicidade ele não usa computadores, não lê blogs e assim por diante. Escrevi como aquelas pessoas que enviam correntes, esperando que a sorte as faça cair na caixa postal de pessoas interessadas. Quem sabe, por um capricho do destino, um dos filhos do barbeiro acabe lendo esse texto. Se isso vier a acontecer informo que o seu pai está muito sozinho e sofre pela ausência dos filhos. No dia dos pais ele esperou em vão por vocês, por qualquer sinal de reconhecimento a ele. Mais: ele jura que não tinha amante antes do falecimento da mãe de vocês coisa não tão difícil de verificar.

Que me perdoem, ou não, pela intromissão.

Escrito por Ayrton Marcondes

30 agosto, 2009 às 10:30 am

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