Atormentados at Blog Ayrton Marcondes

Atormentados

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Ouço sobre um australiano que a todo transe lança impropérios ao vazio que o cerca. O homem parece não ter paz. Atormentado, repudia a alguém ou alguma coisa que parece estar sempre a seu lado.

A pessoa que me conta sobre o atormentado viveu na Austrália. Estudante universitário manteve-se em subempregos bastante rentáveis. Trabalhou num bar no qual conheceu o atormentado. Conta que o rapaz cuidava das panelas e louças depois de usadas pelos clientes. Curvado sobre a pilha de pratos, a todo instante voltava a cabeça para trás, xingando não se sabe o quê. No começo os companheiros de trabalho achavam graça. Com o tempo se acostumaram e não davam a mínima.

O caso fez-me lembrar do Paulino. Era um baixinho musculoso, muito forte. Trabalhava como ajudante, carregando caminhões. Naquela época a produção agrícola na região era grande e caminhões saiam para levar frutas e hortaliças aos mercados, em São Paulo. O Paulino dava duro em sua missão. Era comum vê-lo ajeitando caixotes de madeira com produtos agrícolas nas carrocerias de caminhões.

Do que se sabe é que o Paulino nunca teve paz. Durante todo o tempo ralhava contra as sombras. Dizia-se que fora devedor de crime de morte e seria atormentado pelo espírito de quem assassinara. Não sei se é verdade. Fosse pelo que fosse o Paulino parecia sempre acompanhado por uma legião de fantasmas que não largavam dele. As mulheres quando o viam benziam-se. Atribuíam a perseguição ao próprio demônio. Seria o diabo o tenaz perseguidor que não dava tréguas aquele homem simples e perseguido.

Certa noite vi o Paulino passar pela rua, vazia àquela hora. Seguia devagar. De tempos em tempos voltava-se e ofendia com palavrões a algo que, provavelmente, ele via. Guardei a imagem desse homem atormentado cujo destino fora traçado de modo tão terrível.

Paulino morreu há muito tempo. Sobre sua morte contam-se coisas que certamente não passam de puro folclore. Mas, pessoas que o levaram ao cemitério juram que, ao baixar o caixão à cova, ouviram-se gargalhadas, saídas do nada. Era o demônio recebendo a alma marcada, supõe-se.

Escrito por Ayrton Marcondes

24 maio, 2018 às 2:16 pm

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