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O Rei da Vela

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José Celso Martinez e Renato Borghi preparam-se para encenar, em outubro, a peça “Rei da Vela”. Escrita pelo modernista Oswald de Andrade por volta de 1933 a peça só veio a ser encenada no Rio, em 1967. São passados, pois, cinquenta anos desde a primeira encenação.

Oswald escreveu seu texto sob a atmosfera convulsa dos domínios das economias norte-americana e inglesa sobre o mundo. A quebra da Bolsa de New York em 1929 tivera efeitos desastrosos sobre a economia cafeeira do Brasil. Em tal contexto o destaque fica por conta de três grupos de personagens: a burguesia capitalista, a aristocracia rural em crise e o capital estrangeiro.

O “Rei da Vela” é encarnado pelo personagem Abelardo I, burguês sem escrúpulo que faz fortuna através da privação alheia. Oportunista especula com o café, a indústria e outros setores. Além do que possui uma fábrica de velas, negócio lucrativo em momento de crise em que empresas de eletricidade quebraram. Abelardo I vangloria-se do fato de que ganha alguns centavos pela vela colocada na mão de cada morto nacional.

A mulher de Abelardo I, Heloisa de Lesbos, faz parte da aristocracia rural falida. Seu pai é um latifundiário que perdeu tudo e a família se desfaz com a dissolução de costumes. Por fim, existe Mr. Jones, o representante do capitalismo que corrompe as duas classes sociais representadas por Abelardo I e Heloisa.

A peça de Oswald não pode ser representada na época em que foi escrita. Falecido em 1954 o escritor não pode ver sua peça encenada.  Estudante na década de 60 tomei conhecimento com a obra de Oswald nas aulas do colégio. Em 1964, nos dez anos da morte do escritor, jornais publicaram notícias sobre ele. Lembro-me de meu tio, na ocasião, comentando sobre Oswald: era um sujeito terrível.

A primeira encenação, de 1967, tinha Renato Borghi no papel de Abelardo I. Na ocasião eu estava no Rio, tratando de minha inscrição para os vestibulares daquele ano. Viera do interior de São Paulo no trem noturno da Central do Brasil. Era viagem longa para os passageiros de segunda classe. Em Lorena o trem parava por cerca de duas horas, aguardando a passagem do “trem de aço” que vinha do Rio. De manhã chegava-se à Estação de D. Pedro II, corpo doído pela longa noite no banco de madeira.

Estive presente na primeira encenação do “Rei da Vela”. O espírito de deboche e ao que então me pareceu certo exagero de pornografia causaram grande impacto no público. Mas saí do teatro incomodado: eu não entendera quase nada da peça.

Até hoje guardei algum ressentimento pela minha falta de cultura para entender uma peça sobre a qual já ouvira falar na época. Vá lá minha juventude, mas tinha já alguma leitura e conhecimento. Pois exatamente hoje, cinquenta anos depois, livrei-me do complexo de inferioridade intelectual provocado pelo “Rei da Vela”. José Celso, em entrevista, relata o caso de um encenador que também não entendeu nada. E não foi só ele.

Não se trata de solidariedade entre os que não entenderam. Mas que alivia saber sobre companheiros de infortúnio, isso não se nega.

Escrito por Ayrton Marcondes

29 setembro, 2017 às 3:15 pm

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