Casa de repouso at Blog Ayrton Marcondes

Casa de repouso

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Daqueles remédios que se dá para corvo que parou de voar. É um desses que me receitaram e estou tomando.

Assim, assim. Com mais de 80 anos recolheu-se a uma casa para velhos - abrigo de pré-falecidos, diz ele sorrindo. Conta ter aprendido a zombar da morte ainda rapaz. Estava na boleia de um caminhão que caiu da ponte e afundou num rio. Ele não sabia nadar. Mas, não é que justamente ali, no meio da água, ia navegando um pedaço de tronco de árvore? Pois. Agarrou-se à madeira salvadora e esperou pelo socorro que, ao que se lembre, não demorou tanto. Foi por isso que, depois do acidente, aprendeu a nadar.

Nado como um peixe - completa.

De muitas coisas já não se lembra. Vive se esquecendo de coisas do dia-a-dia.  O passado vai e vem na memória, de muitos fatos faltando pedaços. Avisa que suas histórias podem ter interrupções, dai que pula de uma coisa a outra bem mais adiante porque o do meio, o entre as duas coisas, apagou-se na cabeça. Coisa de velho, completa.

Veio para o abrigo por decisão própria. A mulher morrera há algum tempo. Os filhos não queriam deixa-lo se mudar, de jeito nenhum. Mas, fez pé firme. Vida afora sempre foi sujeito de opinião forte. Veio porque quis, ninguém pode impedi-lo.

Não fala sobre os velhos do lugar. Não reclama da vida que diz ter sido muito boa. Passa os dias olhando para um pequeno lago. Contando marrecos. Tem hora que marreco parece gente. Ou gente é que parece marreco, diz.

É meu tio. Deixo-o na espreguiçadeira e sigo pelo corredor. Uma fileira de portas entreabertas, revelando quartos com velhos deitados ou sentados. Silêncio. Ouço apenas os meus passos num som que ali me parece ensurdecedor.

Na sala do médico. É um rapaz simpático, quase bonito. Informa que meu tio melhora da depressão. Já engole as cápsulas que antes cuspia. De tempos para cá voltou a comer bem. Se quisesse poderia voltar para casa. Mas, não quer. Que fazer se o homem simplesmente não quer ir embora?

No trânsito, dirigindo, penso em escolhas. Meu tio deu-se bem na vida, ganhou bom dinheiro no mundo dos negócios. De repente bateu nele o desânimo. Parece ter se cansado do mundo, quem sabe da v ida.  Então escolheu o isolamento na casa de repouso. Ali passa os dias, esperando.

Escrito por Ayrton Marcondes

5 setembro, 2017 às 10:37 am

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