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Medos

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Quando menino tinha medo do escuro. Temia que de repente, das sombras, emergissem figuras fantasmagóricas. Mais especificamente receava ser visitado por pessoas já mortas. Seria possível ao apagar a luz e dar de cara com algum falecido?

Bem, o mundo era bem diferente naqueles tempos. A iluminação das casas muitas vezes precária. E corriam histórias e mais histórias sobre assombramentos. Na casa de minha avó, por exemplo, existiriam algumas almas penadas que, vez ou outra, davam as caras. A menina que assombrava o cômodo de passagem para os quartos fora vista por mais de uma pessoa. Minha tia acordara de madrugada e dera com um homem estranho em pé, ao lado da cama. Meu tio socorreu-a. Acendeu a luz e nada, ninguém no quarto onde a porta se mantinha trancada.

Casos como esses infundiam terror em crianças. Os antigos pareciam tratar sobre a morte com mais naturalidade. Uma tênue membrana separaria os mundos dos vivos e dos mortos. Outra tia seria vidente. Não era incomum estarmos à mesa para o jantar e ele nos comunicar que “alguém” estaria ali conosco. Esse alguém seria um espírito. Jantávamos com fantasmas.

Na casa de meu pai existiam muitos livros. Cresci ao lado deles e devagar fui me inteirando de seus conteúdos. Criança é criança. Tinha medo, mas, estranhamente, atraiam-me contos de terror. Durante muito tempo tive medo do Horla de Maupassant. Se bem me lembro o Horla era uma força maligna que isolava um cômodo e chegava a atar fogo às cortinas.

Li todos os contos de Edgard Allan Poe. Aos 14 anos já tinha devorado toda a obra do grande escritor norte-americano. Mas, tinha medo das personagens. A leitura de “Enterrado Vivo” despertou-me ao medo de vir a ser enclausurado debaixo da terra ainda vivo.

Das histórias de vampiros nasceu o receio de que viessem me atacar nas madrugadas. Os filmes em preto-e-branco sobre vampiros eram uma delícia no cinema. A face enigmática de Christopher Lee no papel de Drácula terá embalado situações nas quais a possibilidade de ser visitado por um vampiro parecia-me muito real. Daí que colocar alho junto a janela do quarto e crucifixo na guarda da cama passaram a ser rotina. Afinal, nos filmes esses recursos se mostravam úteis para afugentar vampiros.

Passadas décadas dos tempos de menino ainda olho para as sombras com algum receio. Não tenho medo, mas não acho de todo improvável que do escuro possa brotar algum ser vindo de outra dimensão. Dizem que isso acontece porque guardamos em nosso ser a criança que um dia fomos. Entretanto, não passam de impulsos que logo sucumbem à lógica de homem adulto.

Escrito por Ayrton Marcondes

14 julho, 2017 às 12:21 pm

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