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Práticos

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Arranquei um dente. Molar. Não queria se separar de mim. Resistiu muito, lutou contra a força do boticão. Residiu na minha boca tempo demais para não ter amor à casa. Veio à luz trazendo aa raízes desfeitas, carcomidas por bactérias que não o pouparam.

Extraído o molar o dentista exibiu-o para que o visse. Vi nele um tipo forte, corajoso, mas abatido. Perdera a função, a força. Separava-se mim para sempre fato que me fez pensar no destino final das partes do meu corpo. Quando morrer serei enterrado ou cremado? O fogo da cremação assusta. Enquanto vivos é difícil engolir a versão de que o corpo que será atirado ás chamas já não nos pertence. Se existir vida após a morte com que horror presenciaremos a queima daquilo que fomos? Por outro lado, ser progressivamente decomposto dentro de uma cova não se figura estimulante. Certa vez assisti à exumação do cadáver de uma mulher. Teria falecido a menos de um mês. Aberto o caixão estava o cadáver coberto por uma nuvem de insetos, baratas, muitas baratas…

O molar me trouxe imagens do passado no qual militavam no país os práticos. Não sei se ainda é assim hoje. Consta que os sindicatos das categorias hoje em dia controlam a atuação de profissionais em suas áreas, exigindo formação para que possam exercer. No passado, mormente em pequenas localidades, os práticos supriam as deficiências de profissionais licenciados. Práticos de dentista existiam e muitos. Na infância tive problemas dentários resolvidos por práticos. Atendiam em consultórios com instrumental bastante precário. Inesquecíveis os motores acionados com pedais. Afora o material cirúrgico e os meios de esterilização.

Na área do Direito existiam os rábulas. Autodidatas entendiam de leis. Muitos deles eram bastante respeitados. Conheci um senhor que granjeou fama não só e sua cidade como nas vizinhanças. Estudioso, dedicado, faltava a ele o talho universitário. Meu pai tinha esse homem em elevada conta.

Confesso não ter me entristecido com a perda do meu molar. O danado a custo exercia suas funções mastigatórias. De uns dias para cá pusera-se a causar dor. De modo que o ver, depois de extraído, serviu-me como alívio. Impressionante como nos destacarmos facilmente de coisas que nos incomoda.

Adeus molar

Escrito por Ayrton Marcondes

11 julho, 2017 às 11:41 am

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