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As pessoas morrem

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Nem sempre nos lembramos, mas as pessoas morrem. Não sei se você faz isso, mas costumo ler obituários de jornais. Meu tio, há muito falecido, lia obituários e, vez ou outra dizia: olhe, morreu fulano de tal etc.  Falava em tom de aviso sobre o passamento de alguém conhecido. Na verdade, não fazia ideia de quem se tratava. Era apenas mais uma deserção. Os homens são desertores natos. De repente saem de circulação, desaparecem. Seus passados aos poucos se apagam. Decorridos anos restam as inscrições em lápides. Nada mais.

Obituários nos servem como termômetro para deserções. Tem-se ideia da média de idade dos que se foram. Alguns são lembrados pelas missas de 30º dia, outras pelas de 1 ano. Há quem chore eternamente a perda do seus. Lembro-me de uma mulher que visitava diariamente o túmulo do marido. E já se haviam passado dois anos desde a morte dele. Cada um conhece a dimensão da própria dor.

O obituário de ontem trouxe notícia sobre a morte do Hildebrando. Quem era o Hildebrando? Ah, esse eu conheci. Fui aluno dele. Ensinava português naquelas classes de cursinhos onde o ouviam quase 200 alunos. Eu era um desses rapazotes, pedido no meio da turba naqueles idos do final dos anos 60.

O professor Hildebrando era ótimo, tornava a sintaxe gramatical inteligível. Raramente falava sobre si. Certa manhã abriu exceção: contou-nos que se metera na política em cidade do interior. Se bem me lembro foi candidato ou chegou a ser prefeito. Depois largou tudo e veio para a capital para ensinar português.

Li no obituário que em casa Hildebrando era quieto, fechado. O filho relata que ao assistir à aula do pai pensou: mas, esse não pode ser o meu pai…. De fato, no tablado o mestre era descontraído.

O professor Hildebrando deixa atrás de si livros escritos e muita gente que se valeu de suas aulas e palestras. Permanecerá nas nossas memórias enquanto não chegar a nossa vez de desertarmos.

Saudades, caro professor.

Escrito por Ayrton Marcondes

14 março, 2016 às 11:38 am

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