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O que a Luzia…

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A senhora está indignada. A tal Luzi, que a chama de velhota, mexeu com os brios dela. Fosse ela mais moça encheria a Luzia de pancadas. É o preço que se paga pela velhice. Braços e pernas já não são os mesmos, rapaz. Bem que dizem: quem gosta de velho é reumatismo. E por aí vai a velhota, praguejando sem parar.

A velhota na verdade não é tão velhota. Frequenta academia, mantêm o corpo nos eixos. Passada dos sessenta mantém sinais de juventude. Tem raça. Corintiana fanática vez ou outra assiste a jogos no estádio. Do tipo que leva bandeira. Bate-boca com torcedores adversários. Viúva, vive sozinha. O filho mais velho mora na Itália. Engenheiro, casou-se com uma italianinha, a baixinha mãe dos dois netos. A velhota nunca foi à Itália visitar o filho. Não é mulher de cruzar mares para ver parentes. Obrigação tem o filho de aparecer de vez em quando. Já o filho mais novo mora no Recife. Também engenheiro, é solteiro. Um bonitão, diz a mãe. Quando pode aparece em casa, fica dois dias e se manda. A moçada de hoje é assim. Imagine eu não dar atenção aos meus pais. De jeito nenhum. Impossível. Meu pai era uma fera, exigia respeito. Minha mãe nem se fala. Agora esses meus dois…

Ouço a senhora, que não para de falar.

A tal Luzia se acha. Demais. Uma idiota que pensa ser muito, muito mais do que é. Comento: mas, se eram tão amigas… A senhora franze a testa, indignada. Nunca considerou a tal Luzia amiga de verdade. Na vida há dois tipos de pessoas, classifica: as boas (poucas) e as que servem só pra uso externo. A tal Luzia é do tipo pomada, uso externo. O diabo é que gruda na pele. Uma chatona que se acha e vem se achar logo em cima de mim.

Olho para o relógio. Ela continua a reclamar e me perco da fala dela. Até que ouço: desejo que a Luzia vá ver de novo o que perdeu atrás da horta.

O dito popular cai, acidentalmente, no meio da tarde. Acordo, olhos fixos na senhora. Pergunto a ela o que quer dizer com essa história de ver o que a Luzia perdeu atrás da horta. Ela enrubesce. Muda de assunto. Quero perguntar de novo mas, desisto. É o fim da conversa.
A tal Luzia mora no prédio do outro lado da rua. Não imagino o que terá feito para a velhota a ponto de provocar tanta raiva. Mas, isso vai passar. Como das outras vezes. A vida é assim: altos e baixos. Idas e vindas. Logo tornarão às boas.

Esse é um caso para o qual não existe ponto final.

Escrito por Ayrton Marcondes

2 fevereiro, 2016 às 6:13 pm

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