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Sapatos apertados

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Você sabe como é dureza andar com sapatos apertados. Pois me aconteceu passar um dia inteiro com um par de sapatos que não se deram bem com os meus pés. Dirão, talvez, que a culpa terá sido minha por adquirir sapatos baratos ou não tê-los experimentado adequadamente. Nada disso: paguei caro, boa marca e experimentei. Então, o que aconteceu?

Pois naquele dia fazia calor e escolhi meias fininhas para evitar o suor nos pés. Tão finas que parecia não estar com elas de modo que a pele quase ficava em contato direto com o couro. Couro esse, aliás, que não era tão maleável como eu supusera no início. Em todo caso couro, couro bom, couro caro, formando com o solado especial um elegante par de sapatos.

Ainda não disse a você, mas os sapatos eram de cor preta para combinarem com a calça escura do terno, quem sabe até com a gravata escura muito a caráter para a cor da camisa. Enfim, tratava-se de roupa de gala porque naquele dia me caberia - e coube - a função de apadrinhar um sobrinho que se casaria - e casou.

Confesso que no começo não cheguei a perceber o incômodo dos sapatos. Não sei se já aconteceu a você usar esse tipo de sapatos que enganam no começo. Parecem dar uma trégua como a estabelecer falsa amizade para só depois, quando não mais pudermos nos livrar deles, passarem a apertar, macerar a pele, expor a carne viva e obrigar-nos ao terrível ato de mancar quando não poderíamos. Foi assim comigo, acredite.

Entretanto, se estou aqui a falar mal dos meus sapatos, vejo-me na obrigação de ser honesto em relação a eles. Existe uma ressalva: eu não sabia - juro que eu não sabia - que o meu sobrinho decidira casar-se com uma moça digamos não muito convencional de modo que escolheu para lugar da cerimônia uma praia. Veja bem, não um lugar de praia, mas a própria praia, enfim na areia, junto ao mar.

Quando dirigia o carro notei que algo me incomodava nos pés, coisa pouca, você sabe como é. Mas quando cheguei ao lugar onde se daria a troca de alianças e, debaixo de um sol terrível, tive que avançar pelos quase 700 metros até onde a cerimônia ocorreria - 700 metros de areia, é bom que se diga - aí, nesse trajeto, durante ele, deu-se o desentendimento entre os meus pés e os sapatos que os abrigavam.

Não será necessário descrever aqui o tempo que fiquei em pé durante o casamento, o retorno pelos mesmos 700 metros andando na areia, a festa na qual as obrigações sociais simplesmente me impediam de permanecer sentado, aquela valsa que dancei mancando e jamais esquecerei, o raro momento de pura alegria no qual, finalmente, pude me livrar dos sapatos e passar dois dias usando chinelos, esperando que meus pobres pés voltassem a ser eles mesmos.

Lembrei-me disso hoje porque meu sobrinho ligou para convidar-me a uma festa de aniversário da mulher dele. Será linda, na mesma praia em que se casaram. Estão comemorando as bodas de algodão e, para eles, nada como voltar ao lugar onde se uniram para sempre nesta vida.

Minha mulher está animadíssima para a festa. Ela me fala sobre a viagem e concordo com ela embora passe o dia matutando num jeito de não ir, quem sabe simulando um enfarte, algum mal súbito, ou mesmo um quadro de catalepsia.

Escrito por Ayrton Marcondes

1 fevereiro, 2013 às 8:53 pm

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