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A revolta dos garçons

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Danuza Leão escreve sobre garçons de restaurantes chiques. Descreve-os como bem vestidos, elegantes, educados, solícitos, prontos a atender. Relata como isso muda ao fim a jornada de trabalho quando eles vestem suas camisetas e esperam, no ponto, o ônibus que os levará às suas casas. São as duas realidades vivenciadas pelos garçons que interessam à cronista que, a certa altura, pondera que o valor da conta de uma das mesas talvez resolvesse o problema de alguns deles ao fim do mês.

O texto devolveu-me período no qual frequentei um restaurante em São Paulo. Confesso minha preguiça em relação a experimentar lugares diferentes. Isso acontece, por exemplo, em relação a destinos de viagens. Prefiro sempre retornar a lugares já conhecidos que não exigirão o esforço da descoberta. Talvez por isso sempre que me sobra um tempo prefira ir a Fortaleza, cidade que conheço muito bem. Mas, dizia, era de meu costume jantar num mesmo restaurante coisa que acontecia pelo menos duas vezes por semana. Por conta desse hábito aconteceu-me conhecer o maitre e os garçons, quebrando-se aos poucos a barreira entre o profissional que serve e o cliente servido por ele. Foi assim que, devagar, tornei-me algo íntimo da realidade do pessoal que trabalhava no restaurante a ponto de vir a conhecer particularidades da vida de muitos deles. Não que eu perguntasse, mas como em geral frequentava o lugar tarde da noite - hora de pouco movimento – ocorria de um ou outro abrir-se comigo sobre as circunstâncias do trabalho. Foi assim que passei a ouvir queixas sobre o patrão e mesmo a confissão de que o grupo reunia-se com o intuito de abandonar o trabalho para, juntos, abrirem um restaurante que seria de todos.

Deixo claro que nunca alimentei a necessidade que os rapazes tinham de me confidenciar seus problemas e projetos. Ouvia o que me diziam, buscava encurtar a conversa e pronto. Entretanto, de certa forma parecia-me que os garçons haviam me tomado não exatamente como confidente, mas como alguém que poderia ser útil a eles comercialmente. A verdade é que não tinham a menor ideia de como levar em frente o projeto de abrir um restaurante. Um deles, justamente o maitre, chefiava o grupo de modo que os demais sempre o citavam como aquele que lideraria a mudança do grupo para outro local.

Certa noite estava eu a jantar quando, de repente, sentou-se à minha mesa o patrão. Educado, mas incisivo, perguntou-me ele se eu estaria confabulando com os funcionários. Obviamente me sai com facilidade da situação e, depois disso, deixei de frequentar o lugar.

Tempos depois o restaurante foi vendido. Final do ano passado, por acaso, passei defronte e resolvi entrar no restaurante. O novo dono mudara bastante o aspecto do lugar. Sentei-me e um rapaz me trouxe o cardápio. Escolhia o que pediria a seguir quando reparei nos garçons que iam e vinham no trabalho junto às mesas. Entre eles reconheci alguns dos velhos tempos. Depois apareceu o maitre, o mesmo de antes.

Não sei dizer exatamente o que senti ao saber que a ensaiada revolta dos garçons tinha dado em nada. A certa altura o maitre - meu velho conhecido – fez o seu trabalho perguntando-me se tudo estava em acordo. Em nenhum momento pareceu me reconhecer, talvez porque eu lembrasse a ele algo de que se arrependera, a ação ousada de um grupo que não havia se consumado.

Escrito por Ayrton Marcondes

20 janeiro, 2013 às 5:04 pm

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