A seca at Blog Ayrton Marcondes

A seca

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Lemos com alguma indiferença as notícias sobre a seca no Nordeste. Estamos no Sudeste, chove há três dias e pedimos para que a chuva pare, afinal tudo se complica com essa aguaceira a começar pelo trânsito.

O Brasil é grande, tão grande que as regiões distantes parecem pertencer a outro país. Seca no Nordeste? Ou na Indochina? Não, é aqui mesmo, no nosso continente, no nosso país, bem perto de nós, influindo na pele da nossa gente, de pessoas como nós mesmos.

As notícias sobre a seca são péssimas. Compara-se a seca atual à grande seca acontecida 47 anos atrás. Vários Estados estão sendo assolados pela falta de chuvas. Na Bahia mais de 200 municípios estão em situações de emergência. Mas, os especialistas alertam que ainda não é possível mensurar a extensão da estiagem até porque ela ainda está em andamento.

Os ciclos de seca no Nordeste não têm data marcada para acontecer. Relatos históricos falam sobre a grande seca acontecida entre 1877 e 1879 na qual teriam perecido 500 mil pessoas, vitimadas pela fome, sede e doenças. A seca de 1970 protagonizou a grande evasão de nordestinos que deixaram suas casas para tentar a sorte no Sudeste e Sul do país. E por aí vai.

Ontem vi, pela TV, imagens da seca. Pessoas empobrecidas em cujas faces lê-se, mais que desespero, a desesperança. Animais - os poucos sobreviventes - magros, deitados sobre as patas e sem forças para se levantarem. Então me lembrei do sertão da Bahia por onde circulei em meio à década de 1980. Voltou-me a inquietação diante de tantas vidas sem horizonte, passadas entre a trama de galhos secos das árvores da caatinga, poços sem água, sol inclemente, palmas, mandacarus, lagartos, cobras, solo seco, casebres, estradas de terra vermelha, casacos de couro curtido e gasto, facões na cintura e, uma vez na semana, o caminhão pipa de alguma prefeitura trazendo a água racionada para os lugarejos. Poeira. Nenhuma gota d`água vinda do céu. E eu me perguntando por que, afinal, aquelas pessoas continuavam ali, sem nenhuma perspectiva, sem futuro, vítimas da seca, de terem nascido num outro Brasil que desconhecemos e para o qual preferimos fechar os olhos.

Não é possível ficar indiferente às notícias sobre a seca, sobre a grande seca que mais uma vez assola e destrói a vida de brasileiros.

Vem à minha memória a imagem de uma vaca pendurada com cordas numa árvore. Magra. Tristonha, abatida, ali estava a vaca que não se incomodou nem um pouco com a minha presença. Mas, por que penduraram a vaca a uma árvore? - perguntei. Então veio o dono da vaca explicar-me que assim faziam por lá porque se o animal se deitasse, se as pernas arqueassem, ele não mais se levantaria. Era o esforço do dono para salvar o seu animal. Era a seca.



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