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Ecos da violência

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Encontro um amigo que não vejo há alguns anos. Deixo de lado a pressa e sentamo-nos para colocar a conversa em ordem. Ele é mineiro, região de Barbacena e foi criado num sítio. Tinha dezesseis anos quando, juntamente com um irmão, disse ao pai que não trabalhariam na lavoura e tentariam a sorte na cidade grande. Foi assim que vieram para São Paulo. O irmão trabalhou durante alguns anos na capital, mas tornou ao sítio. O meu amigo embrenhou-se na tal selva de pedra e até hoje vive nela.

Esse meu amigo nunca perdeu a mineiridade. Homem de sorriso franco é bom conversador e seu rosto ilumina-se quando reflete sobre sua trajetória na cidade grande. Nesse ritmo trocamos conversa que vai bem até que pergunto sobre a família dele. Então o rosto dele se fecha, as largas sobrancelhas se juntam numa contração da testa e ele me olha com jeito aborrecido.

Fico sabendo que a filha do meu amigo estava empregada numa empresa canadense na qual trabalhava como auditora. O bom desempenho da moça a havia qualificado para trabalhar na sede da empresa, no Canadá, onde ficaria por pelo menos quatro anos e depois retornaria ao Brasil. Aconteceu que, pouco antes da ida para o Canadá, a moça foi vítima de sequestro que só não se prolongou porque policiais viram o revólver de um marginal encostado na cabeça dela. O bandido acabou descendo do carro e se evadiu após perseguição policial.

Conta o meu amigo que, depois disso, a filha não apresentou , pelo menos aparentemente, sequelas decorrentes do sequestro. Mas, cerca de um mês após, houve em São Paulo a grande ação do PCC (Primeiro Comando da Capital) que, como lembramos, paralisou a cidade. Nesse dia a empresa onde a moça trabalhava dispensou seus funcionários para que retornassem às suas casas em segurança. Estava a filha do meu amigo dentro de um ônibus na Avenida Marginal quando esse foi atacado por bandidos que o incendiaram. Aconteceu, então, da moça ficar presa no fundo do ônibus em chamas do qual, felizmente, conseguiu sair atempo de salvar-se.

Depois disso, a moça começou a dizer-se perseguida. Mudou o comportamento, a mania de perseguição cresceu. Acabou sendo afastada do trabalho, perdeu a chance de ir ao Canadá. Hoje vive em casa com a mãe. Não sai sozinha, tem medo de tudo. Está em tratamento psiquiátrico, toma vários remédios, mas nada de melhora significativa.

Ouço isso e não encontro o que dizer ao meu amigo. Ele ainda me diz que, em todo caso, agradece porque a filha está viva. Despedimo-nos com um abraço. De volta para casa não consigo deixar de pensar na tragédia da moça. Diariamente recebemos muitas notícias sobre ações violentas com vítimas. Tornaram-se rotina e fazemos de conta que não acontecem no meio em que vivemos. Então encontramos um velho amigo e ele nos dá conta de que a violência pode entrar nas nossas casas, acontecer com a gente ou com alguém a quem amamos. Fica sensação de impotência contra um mal galopante que corrói a sociedade e a torcida para que, um dia desses, não sejamos nós os escolhidos para esse tipo de barbaridade.

Escrito por Ayrton Marcondes

18 março, 2012 às 2:30 pm

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